terça-feira, 20 de maio de 2008

terça-feira, 29 de abril de 2008

Amy Harmon e "A era do DNA" - parte 5

Enquanto criadores testam o DNA, cães tornam-se cobaias

Por AMY HARMON
Publicado: 12 de junho de 2007

Depois de mutações, cachorros musculosos começaram a aparecer e criar confusão em exibições de cães de corrida. Criadores de animais normalmente longilíneos convidaram cientistas a tirar amostras de DNA em corridas por todo o país. Eles esperavam encontrar uma causa genética para a mutação e um modo de purgá-la da raça.

Funcionou. “Os cães brigões,” como os corpulentos são conhecidos, resultam de uma mutação genética que realça o desenvolvimento da musculatura. Os criadores não querem eliminar o gene "brigão". Cientistas descobriram que a mesma mutação que "bomba" alguns cães de corrida faz de outros os mais rápidos nas pistas.

Com um teste de DNA, "vamos manter a velocidade e eliminar os brigões,” disse Helena James, uma criadora de cães de corrida de Vancouver, em British Columbia.

Livres da maior parte dos conceitos éticos — e dificuldades práticas — associados com a prática da eugenia em seres humanos, os criadores de cães estão se valendo da nova pesquisa genética para controlar a genética canina. Companhias com nomes como Vetgen e Healthgene começaram a oferecer dúzias de testes de DNA para determinar a aparência dos cães, melhorar a sua saúde e, possivelmente logo, melhorar sua condição atlética.

Mas enquanto os criadores aplicam a precisão científica a essa antiga arte, descobrem que a perfeição genética vem com conseqüências imprevistas. E com testes de DNA no caminho dos seres humanos, as lições da intervenção na natureza dos cães podem ter reflexos tanto em nós como nos nossos melhores amigos.

“Estamos à beira de uma verdadeira revolução no modo como aplicamos a genética em nossa sociedade,” disse Mark Neff, diretor associado do laboratório de genética veterinário na Universidade da Califórnia. “É melhor ser primeiro confrontado com algumas dessas questões quando elas dizem respeito aos nossos animais do que quando elas nos concernem.”

Alguns criadores de labrador estão usando testes de DNA para garantir a cor prata de retrievers. Criadores de mastim testam pelagem felpuda para evitar os "penugentos", os filhotes de fios longos ocasionalmente originados de pais de pelo curto.

O próximo passo, dizem os geneticistas, pode ser testes para obter grandes cães, pequenos cães, cães encaracolados, cães com os sentidos do olfato mais agudos e cães que levantam as suas cabeças afetuosamente quando eles o vêem.

>>Leia a reportagem completa

Próximo post: Cancer Free at 33, but Weighing a Mastectomy

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Canhoto da Paraíba e o violão brasileiro pelo avesso

O violão brasileiro tem uma das mais reconhecidas escolas do mundo, com expoentes como Baden Powell, Raphael Rabello, Dilermando Reis e tantos outros. Mas a escola perdeu um de seus grandes mestres nesta quinta-feira com a morte de Francisco Soares de Araújo, o Canhoto da Paraíba, um virtuoso que aprendeu a tocar dividindo o violão com os irmãos destros, o que o obrigou a tocar sem inverter as cordas, como outra lenda das seis cordas, Jimi Hendrix. Canhoto não dará mais aulas na escola, mas seus ensinamentos ficam para as futuras gerações.

Conheça um dos quatro discos lançados por ele:
O violão brasileiro tocado pelo avesso

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Amy Harmon e "A era do DNA" - parte 4

Espreitando o DNA de desconhecidos para descobrir a árvore genealógica

Por AMY HARMON
Publicado: 2 de abril de 2007

Eles colhem material da gengiva de estranhos e arrancam cabelos de cadáveres. Viajam centenas de milhas para atrair pessoas com uma velha fotografia ou, às vezes, uma bebida gratuita. A cooperação é preferida, mas não necessariamente requerida para realizar seus objetivos.

Se os genealogistas amadores da era do DNA têm akguma semelhança com membros de uma equipe "CSI", eles não pedem desculpas. Incentivados pelo advento de testes genéticos baratos, estão traçando as suas árvores genealógicas com uma sanha nunca antes vista.

“As pessoas que conhecem o potencial do DNA,” disse Katherine Borges, co-fundadora da Sociedade Internacional de Genealogia Genética, “não medirão esforços para adquiri-lo.”

Diferentemente de registros de papel, que podem ser difíceis de conseguir e mais difícil ainda checar, um teste genético pode dizer rapidamente e definitivamente se alguém tem parentesco. Mas nem todo parente potencial cede facilmente seu DNA. Alguns não gostariam de revelar segredos de família. Outros têm medo que a amostra possa ser usada para intrometer-se em outras áreas de suas vidas. E há aqueles que simplesmente não querem ser incomodados.

Esses casos inspiram táticas que estão tornando a busca genealógica, possivelmente só perdendo para jardinagem entre os passatempos prediletos dos americanos, num esporte radical.

Derrell Teat, 63, gerente numa empresa de esgotos, recentemente encontrou-se vasculhando uma lanchonete McDonalds. O homem que ela acreditava ser o último descendente masculino do irmão de seu tataravô tinha se recusado a ceder matrial genético. Ela decidiu então consegui-lo por outros meios.

“Eu ia pegar a xícara de café da lata de lixo,” disse a senhora Teat, que viajou de Tampa, Flórida, às montanhas da Geórgia, com o seu kit de teste. “Fui disposta a fazer tudo que fosse preciso.”

No passado, ela poderia ter ficado satisfeita com a pesquisa censitária de primos, que revelou que eles eram descendentes de um certo John B. Hodgins, que viveu na Carolina do Sul em 1820. Mas um teste de DNA feito num Hodgins de Oklahoma, encontrado pelo catálogo telefônico, confirmou que eles eram parentes. Agora, a senhora Teat quer identificar todos os descendentes vivos de John B. até julho, quando fará uma reunião de toda a família Hodgins.

Acossado em sua garagem, a caça da senhora Teat recusou-se a escutar o seu pedido. Possivelmente pensou que ela buscava um teste de paternidade. Em todo o caso, ele não apareceu onde tomava seu café da manhã habitual.

“Ele deixa-me louca,” disse a senhora Teat. “Sabendo que posso chegar ao âmago da questão, apenas se as pessoas cooperassem.”

No próximo ano, perto de quinhentos mil pessoas terão feito um teste de DNA, segundo estimativas de companhias que os fazem. Os testes descobrem marcas genéticas que identificam os descendentes de um indivíduo e revelam se duas pessoas compartilham um antepassado comum recente.

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Próximo post: As Breeders Test DNA, Dogs Become Guinea Pigs

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Fantástico e o jornalismo de "levantar a bola" - parte 2

Segundo a coluna Outro Canal, de Daniel Castro, na Folha de S. Paulo desta quarta-feira (23), o repórter Valmir Salaro nega que a entrevista exclusiva com Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá tenha sido conseguida após um acordo. A entrevista, que alavancou o ibope do "Fantástico" no domingo, ainda segundo relato do repórter à coluna, foi proposta pelo pai do acusado, o advogado Antonio Nardoni.

A Globo queria muito a entrevista e tentou consegui-la várias vezes. O fato é que o ibope determinou a decisão de colocá-la no ar.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Fantástico e o jornalismo de "levantar a bola"

A série de matérias de Amy Harmon "A era do DNA" continua depois do feriadão. Hoje, excepcionalmente, um tema novo aparece no Jornalismo EmPerfeito: a "entrevista" do pai e da madrasta de Isabella ao Fantástico neste domingo. Sem fazer perguntas realmente importantes para os esclarecimentos dos fatos, limitou-se a "levantar a bola" para os acusados rebaterem os argumentos da polícia e da perícia. Parecia coisa encomendada pelos advogados de defesa e não jornalismo.

Esse antijornalismo é praticado impunemente na imprensa brasileira desde os primeiros pasquins no século 19, continuou na era Assis Chateaubriand e culmina agora com o Fantástico show da vida...

Veja a primeira parte no Youtube, mas cuidado para não vomitar:

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Amy Harmon e "A era do DNA" - parte 3

Casais selecionam embriões para evitar câncer hereditário

Por AMY HARMON
Publicado: 3 de setembro de 2006

Enquanto Chad Kingsbury vê sua filha brincando na caixa de areia atrás de sua casa na área suburbana de Chicago, o pensamento que passa em sua cabeça milhões de vezes nos dois anos de vida da menina vem outra vez: Chloe nunca ficará doente.

Não, pelo menos, do tipo de câncer de cólon do intestino herdado geneticamente que devastou sua família no passado, matando sua mãe, seu pai e seus dois irmãos e que também pode atingi-lo por causa de uma mutação genética que o faz suscetível.

Submetendo a filha a um teste genético quando ela era apenas um embrião de oito células numa placa de Petri, Mr. Kingsbury e sua esposa Colby foram capazes de saber que ela não tinha o gene defeituoso. Aquela foi a razão de a terem escolhido entre outros embriões que tinham concebido por fertilização in vitro para implantar no útero da mãe.

Os futuros pais vinham utilizando o procedimento conhecido como Diagnóstico Genético Pré-implante, PGD, na sigla em inglês, há mais de uma década, em busca de genes que causam doenças severas em crianças e são totalmente incuráveis.

Atualmente um número crescente de casais comos os Kingsburys estão atravessando um novo limiar de intervenção paterna na composição genética de sua prole: eles estão usando PGD para detectar predisposição para cânceres que podem ou não se desenvolver mais tarde na vida, muitas vezes evitáveis com o método.

>>Leia a reportagem completa

Próximo post: Stalking Strangers’ DNA to Fill in the Family Tree

Ramirez e a graça da área de negócios


Na categoria "Cartum editorial", Michael Ramirez, do Investor's Business Daily, foi o premiado de 2008, por uma série de trabalhos (como este acima).

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Amy Harmon e "A era do DNA" - parte 2

Aquele traço selvagem? Talvez ele seja de família

Por AMY HARMON
Publicado: 15 de Junho de 2006

Jason Dallas pensava que sua opção por ações perigosas - gosto pelo esqui fora de pistas (backcountry skiing), mountain bike e carros velozes — fosse "uma coisa de personalidade."

Então ele soube que cientistas do Centro de Pesquisa de Câncer Fred Hutchinson, de Seattle, tinham ligado o comportamento de risco em ratos a um gene. Os que não tinham o gene caminharam e fizeram piruetas, desprotegidos, ao longo de um vareta de aço em vez de se misturar em segurança como outros ratos.

Agora Mr. Dallas, chefe de cozinha em Seattle, está convencido que ele tem uma predisposição genética para o risco, uma conclusão que os pesquisadores dizem não é injustificada, desde que eles acreditam que as variações semelhantes em genes humanos podem explicar por que a gente percebe o perigo diferentemente.

"Isso está no seu sangue," disse Mr. Dallas. "Você ouve as pessoas dizerem isso todo o tempo, mas agora você sabe que é verdade."

Um crescente conhecimento da genética humana está mostrando informações novas do quanto a gente tem de controle sobre quem somos e como atuamos. As descobertas recentes incluem genes que parecem influir se um indivíduo é gordo, tem um dom para a dança ou será viciado em cigarros. Declarações oficiais sobre o poder dos genes parecem estar no noticiário quase diariamente e estão modificando a maneira como os americanos pensam sobre si próprios, suas falhas e seus talentos, bem como as decisões que eles tomam.

>>Leia a reportagem completa

Próximo post: Couples Cull Embryos to Halt Heritage of Cancer

terça-feira, 15 de abril de 2008

Adrees Latif e a imagem do colega morto

Outro premiado, na categoria "Breaking News Photography" (Fotografia de última hora), foi Adrees Latif, da Reuters, com a imagem do fotógrafo japonês Kenji Nagai ferido, pouco antes de morrer, em Yangun, Mianmar.

Amy Harmon e "A era do DNA" - parte 1

O Pulitzer é um prêmio que nas últims edições fez escolhas equivocadas, mas este ano parece se redimiu de alguns desses pecados, na categoria "Explanatory Reporting" (algo como Reportagem explicativa), com a premiação da série de reportagens de Amy Harmon, do New York Times, "A era do DNA" ("The DNA Age"). A convergência de ciência e tecnologia nesta área vem provocando uma revolução silenciosa e distante das redações que pode resultar num mundo melhor ou pior no futuro. Apesar de sua importância, pouca cobertura realmente eficiente e desapaixonada ocorreu. Mas a série de Harmon é um alento, porque disseca o que vem sendo feito pelos pesquisadores à luz das pessoas, dos cidadãos que a utilizam para coisas como descobrir sua ancestralidade, prevenir doenças como câncer e até descartar embriões de futuros filhos com possibilidade de doenças hereditárias.

A série de 16 reportagens, que teve a última matéria publicada dia 3 deste mês, se iniciou em 2006, com "Seeking Ancestry in DNA Ties Uncovered by Tests", algo como "Busca de linhagem ancestral em cadeias de DNA descobertas em testes", sobre pessoas que pagam para descobrir suas origens étnicas. Conta a história de Alan Moldawer, que adotou os gêmeos Matt e Andrew ainda garotos. Na hora de os dois irem para a faculdade, Mr. Moldawer achou que identificar a origem deles poderia lhes dar alguma vantagem. O resultado chegou depois do processo seletivo e concluiu que os gêmeos têm genes 9% nativos da América e 11% do nordeste africano, além da linhagem européia. O pai adotivo concluiu que isso poderia gerar algum tipo de ajuda financeira para os garotos.

A pesquisa de ancestrais não é precisa. O DNA que carregamos é o resultado de diluição ao longo dos séculos e pequenos percentuais de cromossomos de outros continentes podem significar nada. Mas desempregados de pele branca em busca de empregos estão usando tal base para conseguir vagas étnicas nos Estados Unidos. Cidadãos de pele negra também estão se valendo da pesquisa para reclamar heranças nos países europeus. Um cristão americano, por exemplo, está utilizando a técnica para reclamar cidadania israelense. Enquanto isso, americanos brancos procuram identificar DNA indígena para receber benefícios concedidos a descendentes de índios.

Para o sociólogo Troy Duster, da Universidade de Nova Iorque, essa onda não está baseada na busca de informações do passado. Para ele, o que as pessoas querem mesmo "é dinheiro e poder". Empresas de pesquisa genética pipocam pelos Estados Unidos. Os preços variam de U$99 a US$ 250, com promessas de revelar as origens de cada um. Uma das empresas líder no sgmento, a DNA Print Genomics, informa no seu site que a técnica é útil para quem "quer validar sua elegibilidade para admissão em colégios e faculdades ou direitos em admissõs baseadas em critérios raciais".

Durante 16 dias, vou postando aos poucos aqui um pouco de cada reportagem de Amy Harmon, traduzindo o que o tempo apertado me permite.

>>Leia a reportagem completa

Continua amanhã com a reportagem "That Wild Streak? Maybe It Runs in the Family", sobre a influência genética na personalidade e na disposição para correr riscos.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Ego sum qui sum

Dois jornalistas dão de cara na rua. Os dois estão cabisbaixos.
– O que é notícia, brother?
– Meu, não sei. Quer dizer, eu achava que sabia, mas acho que desaprendi.

Na faculdade, eles aprenderam que notícia não é tudo que acontece. Atualidade, relevância e outros itens menos votados estão entre as definições para o que pode ser notícia ou não. Mas um é fundamental: o fato, para ser relevante para o jornalismo, precisa produzir significativas alterações na vida das pessoas.

– Você viu as manchetes dos jornais hoje?
– Vi e fiquei assim.
– Efemeridades...
– Lá vem você com esse papo de biba...
– Não, rapá. Tô falando do noticiário. Parece aquela história do ônibus. Tirando o motorista e o cobrador, o resto é tudo passageiro.

Efêmero. [Do gr. ephémeros.] Adj. 1. Que dura um só dia. 2. De pouca duração; passageiro, transitório...
in Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque.

– Tá aqui na Folha: "Ministro admite uso eleitoral do PAC".
– Essa aí até passa. A do Estadão foi "Polícia apreende computadores da Casa Civil"...
– Vamos parar. Se chegarmos aos populares, o negócio piora.
– No Agora a machete foi o vídeo do pai e da madrasta da menina...
– Num falei pra parar.
– Tá. Parei. Mas não dá pra mudar a minha natureza.
– Sem querer parafrasear Deus, mas já parafrasenado, Ego sum qui sum.
– É. Aí vale o plural. Somos o que somos, mesmo se trocarmos o jornalismo por outro negócio.
– Vamos fazer uma sociedade?
– Podíamos abrir um boteco...

PS: Ego sum qui sum: Eu sou quem sou, tradução latina do Velho Testamento das palavras de Deus a Moisés no Monte Sinai.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Kucinski e "o colapso da razão ética"

Para quem quer se aprofundar no assunto ética, o livro "O jornalismo na era virtual - ensaios sobre o colapso da razão ética", que reúne nove artigos do professor de jornalismo Bernardo Kucinski, da USP, é um bom caminho. Entre as razões do atual estado da ética nas redações, Kucinski aponta a "fusão mercadológica de notícia, entretenimento e consumo". Outro ponto que ele destaca é, "principalmente, a mentalidade pós-moderna, que celebra o individualismo e o sucesso pessoal".

Um dos capítulos do livro aborda um tema que é tabu entre os jornalistas: "jornalismo e corrupção". Kucinski não doura a pílula e afirma que sempre houve no Brasil uma imprensa "marrom", amparada na compra de matérias e uso de deturpações grosseiras em favor de grupos econômicos e políticos. Vai mais longe. Segundo ele, uma parte dessa prática busca apenas vender mais jornal. "A corrupção é prática sedutora na indústria de comunicação pelo fato de nela se combinar o poder de influenciar politicamente a opinião pública com o poder econômico. Nenhuma outra indústria tem essa característica. É uma prática também comum entre os jornalistas, por sua proximidade no jogo de influência dos poderosos".

Kucinski bate mais fundo e diz que "uma das formas sutis de cooptação dos jornalistas por setores empresariais é a instituição dos ‘prêmios jornalísticos’". Segundo o professor, "esses prêmios são fortes indutores da pauta jornalística e determinam a ocupação dos espaços a partir de interesses dos empresários".

Ficha técnica
Editora: Co-edição editoras Fundação Perseu Abramo e Unesp.
ISBN: 8586469955
Páginas: 144
Ano: 2005
Edição: 1ª
Lingua: Português
Peso: 200 gramas
Fonte: Editora Fundação Perseu Abramo

O assassinato do Código de Ética do Jornalista

Ano passado, o Congresso Nacional Extraordinário dos Jornalistas, reunido em Vitória (ES), aprovou a reformulação do Código de Ética dos Jornalistas, que estava vigente desde 1987. Utilização de câmeras escondidas, manipulação digital de fotos e uso de identidade falsa são práticas corriqueiras do jornalismo que surgiu da revolução tecnológica do final do século 20 e não eram especificamente abordados no código antigo, que em linhas gerais vedava seu uso.

O código que saiu desse encontro extraordinário de agosto de 2007 vai direto ao assunto e proíbe a divulgação de informações obtidas com tais subterfúgios, admitindo que isso só poderá acontecer em caso de "relevante interesse público". O novo texto incluiu sugestões de sindicados do país e de entidades da sociedade civil, num processo conduzido pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).

O objetivo do código é combater o jornalismo denuncista, que costuma julgar e punir pessoas com a execração pública, geralmente sem provas e sem o direito de resposta. O jornalista também pode se recusar a cobrir pauta que vá contra esses princípios.

O noticiário atual sobre diversos fatos da vida nacional para indicar o assassinato definitivo do Código de Ética do Jornalista.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Do jornalismo em escala industrial e outras paradas


Pressionados por jornadas de trabalho cada vez mais excessivas, temos postado pouco no "Jornalismo EmPerfeito". Esta, aliás, é uma característica do jornalismo dos dias de hoje: produção em escala industrial e jornadas idem. Não é "privilégio" de nenhuma mídia especificamente, mas uma tendência de um setor que se sente pressionado pelas novidades que borbulham a todo momento e levam jornais, portais, emissoras etc. a seguir a manada perdida. Alguma luz precisa surgir rapidamente do túnel escuro e tomara que não seja a do trem...

Na ilustração, a carta "o enforcado" do Tarot.

As marcas voláteis da era digital

As marcas, na era da internet, estão mais voláteis. O grupo Globo, por exemplo, depois de torrar muito dinheiro, tempo e esforço no endereço www.globo.com, esta semana começou uma retirada estratégica para o portal de notícias www.g1.com.br. É o caso do filhote que cresceu mais que a mãe. Lançado como alternativa e focada essencialmente no conteúdo noticioso dos veículos da Globo, o G1 passou rapidamente ao posto de campeão de hits brasileiro no setor de portais de notícias. Ainda não se sabe se o globo. com continuará, mas todos os endereços do grupo agora são precedidos do www.g1.com.br.

sábado, 29 de março de 2008

A guerra, a morte e ação dos homens sobre o planeta

Lamento do oficial por seu cavalo morto
Cecília Meireles

Nós merecemos a morte,
porque somos humanos
e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pelo nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.

Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia,
os cálculos do gesto,
embora sabendo que somos irmãos.
Temos até os átomos por cúmplices, e que pecados
de ciência, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!
Que delírio sem Deus, nossa imaginação!

E aqui morreste! Oh, tua morte é a minha, que, enganada,
recebes. Não te queixas. Não pensas. Não sabes. Indigno,
ver parar, pelo meu, teu inofensivo coração.
Animal encantado - melhor que nós todos!
- que tinhas tu com este mundo
dos homens?

Aprendias a vida, plácida e pura, e entrelaçada
em carne e sonho, que os teus olhos decifravam...

Rei das planícies verdes, com rios trêmulos de relinchos...

Como vieste morrer por um que mata seus irmãos!

in Mar Absoluto e outros poemas: Retrato Natural. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983

quarta-feira, 26 de março de 2008

Frases, pra que as queremos?

Frases bem articuladas têm o poder de dizer tudo em poucas palavras.
Aí estão algumas:

"As pessoas valem o que vale a afeição da gente, e é daí que mestre Povo tirou aquele adágio que quem o feio ama bonito lhe parece"
"Suporta-se com paciência a cólica do próximo"
Machado de Assis

"Pelo erros dos outros, o homem sensato corrige os seus"
Oswaldo Cruz

"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis"
Fernando Pessoa

"Uma longa viagem começa com um único passo"
Lao-Tsé

"Os ricos transam. Os pobres procriam"
"Comida é bom, bebida é ótimo, música é admirável, literatura é sublime, mas só o sexo provoca ereção"
Millôr Fernandes

" O essencial é invisível aos olhos; só se vê bem com o coração"
Saint Exupéry

"Ou a mulher é fria ou morde.Sem dentada não há amor possível"
Nelson Rodrigues

"Podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos a um elogio"
Sigmund Freud

"Os que fazem amor não estão fazendo apenas amor: estão dando corda ao relógio do mundo"
Mário Quintana

"Nunca faças aposta. Se sabes que vais ganhar és um patife, e se não sabes és um tonto"
Confúcio

segunda-feira, 24 de março de 2008

Reportagem em versos: a experiência baiana

Escrever reportagem em versos é uma prática que nasceu antes da imprensa de Gutemburgue. Relatos de acontecimentos sempre foram contados e cantados em versos, mesmo que os versos não tivessem métrica ou até mesmo rima. Na Bahia, começamos com a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei dom Manoel, depois do encontro com a nova terra, no início do século 16. Continuamos com Gregório de Mattos, o Boca do Inferno, no século 17, e no início do século 20 com José Gomes, o Cuíca de Santo Amaro, puxando admiradores e desafetos pelas ruas de Salvador:

"Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!", in Carta ao rei, de Pero Vaz de Caminha

"Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna, e é que, quem o dinheiro nos arranca, nos arranca as mãos, a língua, os olhos. Esta mãe universal, esta célebre Bahia, que a seus peitos toma, e cria, os que enjeita Portugal", in Senhora Dona Bahia, Gregório de Mattos

"Esta é uma lição, quem é noivo ou está pra isso, para aquele que é casado. Não vá atrás de lorotas. Quando for durante a noite, tenha muita precaução. Deve ter todo o cuidado com moça que more em Brotas, porque ao contrário tome bem o meu conselho. O sujeito está roubado, porque senão é patota", in A vingança da mulher de Brotas, de Cuíca de Santo Amaro

sábado, 22 de março de 2008

O Jornal Nacional e a consistência da notícia

A dengue explodiu na cidade do Rio de Janeiro e o país tomou um susto, esta semana, quando o Jornal Nacional da Rede Globo expôs o problema. Até então o jornalão limitava-se a notas cobertas, se muito. O JN exige consistência de qualquer fato que coloque no ar. Até esta semana, apenas a população carioca reclamava de uma epidemia da doença na cidade. Os governos municipal, federal e estadual não se pronunciavam ou negavam. Foi preciso que o Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro entrasse com uma ação de responsabilidade contra os órgãos públicos para que o jornalão líder em audiência tivesse a confirmação e destacasse a notícia.

O Jornal da Band, que adota outra metodologia, vinha abrindo espaço há 20 dias para a reclamação dos pacientes nas filas dos hospitais. Não havia números oficiais compilados, os governos se omitiam e os médicos ainda não haviam se pronunciado. O que havia eram filas e mais filas de pessoas com a doença, números aqui e ali. A reportagem da Bandeirantes foi à luta, compilou números extra-oficiais ou de unidades isoladas e começou a mostrar as pessoas.

Fica uma constatação desse fato: o jornalismo não pode ficar a reboque de números oficiais, precisa aprender a fazer contas e a ouvir a voz do cidadão nas ruas.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Wolfe e o jornalismo escrito como uma carta

Thomas Kennerly Wolfe, ou Tom Wolfe (à esquerda na capa da Time), como é conhecido, é considerado um dos criadores do New Journalism. Jornalista e escritor, começou a escever seu primeiro livro aos nove anos. Filho de pais abastados, começou profissionalmente como jornalista no Springfield Union, de Massachusetts, passou pelo The Washington Post e New York Herald Tribune, mas sua carreira foi marcada pelo trabalho na revista Esquire.

A relação com a publicação começou quando Wolfe propôs ao editor um artigo sobre a onda de carros customizados no sul da Califórnia. Byron Dobell, que dirigia a revista, propôs que ele enviasse suas anotações para avaliação. Wolfe escreveu uma carta contando como gostaria de escrever o artigo. Dobell só cortou o "Caro sr. Byron" da carta e ela foi publicada na íntegra.

O resultado saiu em 1964 com o título There Goes (Varoom! Varoom!) That Kandy-Kolored Tangerine-Flake Streamline Baby. Provocou ampla discussão, no estilo que depois marcaria sua carreira, com críticos derramando elogios e outros simplesmente execrando o autor. O primeiro livro de Wolfe, The Kandy-Kolored Tangerine-Flake Streamline Babyresultou desse artigo para a Esquire.

terça-feira, 18 de março de 2008

Usuário online responde mais a temas próximos

Na BBC News, na manhã desta terça (18.3), a notícia mais comentada era "Vegan diet 'help' for arthritis", algo como "Ajuda da dieta vegan para artrite". Muito debate já rolou sobre as preferências de leitura do usuário da mídia online, mas não há muito consenso. O que faz uma reportagem como essa provocar o internauta a escrever? Destaque-se que não era a mais lida no momento, mas a que provocou a necessidade de intervenção do leitor. Uma pista poderia estar na proximidade do assunto com as pessoas. No Reino Unido, 350 mil pessoas sofrem de artrite reumatóide.

Obs: O veganismo é montado como filosofia. A dieta é apenas uma parte. Suas escolhas estão baseadas em aspectos sociais e morais, como rejeitar o que muitos chamam de "indústria da morte", com a criação de animais para alimentação humana.
>>>Leia mais

Bandeira e a morte definitiva

A morte absoluta
Manuel Bandeira

Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.


Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.


Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?


Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.


Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."


Morrer mais completamente ainda,
- Sem deixar sequer esse nome.

domingo, 16 de março de 2008

E o meu medo maior é o espelho se quebrar...

Espelho
João Nogueira

Nascido no subúrbio nos melhores dias
Com votos da família de vida feliz
Andar e pilotar um pássaro de aço
Sonhava ao fim do dia ao me descer cansaço
Com as fardas mais bonitas desse meu país
O pai de anel no dedo, o dedo na viola
Sorria e parecia mesmo ser feliz
Eh! Vida boa quanto tempo faz
Que felicidade
E que vontade de tocar viola de verdade
E de fazer canções como as que fez meu pai
E de fazer canções como as que fez meu pai
Um dia de tristeza me faltou o velho
E falta lhe confesso que ainda hoje faz
E me abracei na bola e pensei ser um dia
Um craque da pelota ao me tornar rapaz
Um dia chutei mal e machuquei o dedo
E sem ter mais o velho pra tirar o medo
Foi mais uma vontade que ficou pra trás
Eh! Vida boa, vai no tempo vai
E eu sem ter maldade
Na inocência de criança de tão pouca idade
Troquei de mal com deus por me levar meu pai
Troquei de mal com deus por me levar meu pai
E assim crescendo eu fui me criando sozinho
Aprendendo na rua, na escola e no lar
Um dia eu me tornei o bambambã da esquina
Em toda brincadeira, em briga e namorar
Até que um dia eu tive que largar o estudo
E trabalhar na rua sustentando tudo
Assim sem perceber eu era adulto já
Eh! Vida boa vai no tempo vai
Ai mas que saudade
Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade
E orgulho de seu filho ser igual seu pai
Pois me beijaram a boca e me tornei poeta
Mas tão habituado com o adverso
Eu temo se um dia me machuca o verso
E o meu medo maior é o espelho se quebrar
E o meu medo maior é o espelho se quebrar

sexta-feira, 14 de março de 2008

Cibernética: Informação para explicar a natureza

Norbert Wiener (foto) nasceu em 1894 no Estado de Missouri, Estados Unidos, e morreu em 1964, antes da revolução dos computadores. Graduado em Matemática aos 14 anos, já era doutor em Lógica aos 18. Mas o que tem de mais em Wiener? Ele é o reinventor da cibernética (do grego kybernetiké, que significa condutor, governador, piloto). Em 1948, o cientista lançou o livro "Cybernetics" e retomou uma definição cunhadada por Platão, na Grécia antiga, para qualificar a ação da alma.

Até então, fenômenos naturais eram explicados a partir da noção de energia, pilar da física newtoniana. A cibernética revira a explicação e revela que a informação é a base para descrever a natureza. Estudando o tratamento da informação como codificação e decodificação, retroação (feedback) e aprendizagem, entre outros, Wiener percebe que, do ponto de vista da transmissão da informação, não existe distinção entre máquinas e seres vivos.

O conhecimento humano é, na verdade, uma seleção feita a partir do que nos chega por ouvidos, olhos e boca. O volume de informações é tão grande que se não tivéssemos a capacidade de selecioná-las seríamos aniquilados por elas. Isso tudo quer dizer, segundo a cibernética, que a informação tem aspecto estatístico e assim pode ser estudada. O significado das coisas é influenciado pela regulação de um código sobre outro e vice-versa.

E toda essa discussão começou na 2ª Guerra Mundial, quando Wiener e seu colega Julian Bigelow fizeram estudos para aperfeiçoar canhões anti-aéreos. Isso resultou na formalização da noção de realimentação negativa, que foi então utilizada como base para modelos de controle de sistemas artificiais e até do sistema nervoso central.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Teoria cibernética da informação

A teoria cibernética da informação, proposta por Norbert Wiener, reconhece dois tipos de 'feedbacks' ou retornos mecânicos. Wiener propõe que o primeiro é aquele em que um esforço é equilibrado pelo seu inverso (auto-regulação). A fórmula seria assim: "quanto mais x, menos y; quanto menos x, mais y". O segundo modelo é o de auto-reforço ou a retroalimentação galopante (quanto mais x, mais y).

Os exemplos estão aí. No primeiro caso, estão a oferta e a procura, de Adam Smith, o rolar do volante ao dirigir e o equilíbrio das bicicleta. O segundo modelo, o do auto-reforço, não existe na natureza, com exceção das epidemias, em que quanto mais pessoas doentes mais doentes teremos, mas está presente na Comunicação.

Nela, temos a auto-regulação e o auto-reforço às vezes aparecendo juntos ou separados. Há duas versões. A primeira, a do círculo vicioso ou virtuoso, é auto-reguladora. É o caso de antiga propaganda de biscoitos, os que "vendem mais porque estão sempre frescos e estão sempre frescos porque vendem mais" (quanto menos, mais; quanto mais, menos).

A segunda, da popularidade ou maldição, é de auto-reforço: "quanto mais, mais" e "quanto menos, menos". Quanto mais pessoas apoiam uma idéia, mais ela cresce. O inverso também é correto: quanto menos pessoas a aceitem, menos chances ela tem de crescer. No jornalismo, a teoria de Wiener é ferramenta de análise do profissional que prescuta a realidade.

quarta-feira, 12 de março de 2008

A serra do Rola Moça

Um poema de Mário de Andrade que parece cordel, parece reportagem...

Mário de Andrade

A Serra do Rola-Moça
Não tinha esse nome não...

Eles eram do outro lado,
Vieram na vila casar.
E atravessaram a serra,
O noivo com a noiva dele
Cada qual no seu cavalo.

Antes que chegasse a noite
Se lembraram de voltar.
Disseram adeus pra todos
E se puserem de novo
Pelos atalhos da serra
Cada qual no seu cavalo.

Os dois estavam felizes,
Na altura tudo era paz.
Pelos caminhos estreitos
Ele na frente, ela atrás.
E riam. Como eles riam!
Riam até sem razão.

A Serra do Rola-Moça
Não tinha esse nome não.

As tribos rubras da tarde
Rapidamente fugiam
E apressadas se escondiam
Lá embaixo nos socavões,
Temendo a noite que vinha.

Porém os dois continuavam
Cada qual no seu cavalo,
E riam. Como eles riam!
E os risos também casavam
Com as risadas dos cascalhos,
Que pulando levianinhos
Da vereda se soltavam,
Buscando o despenhadeiro.

Ali, Fortuna inviolável!
O casco pisara em falso.
Dão noiva e cavalo um salto
Precipitados no abismo.
Nem o baque se escutou.
Faz um silêncio de morte,
Na altura tudo era paz ...
Chicoteado o seu cavalo,
No vão do despenhadeiro
O noivo se despenhou.

E a Serra do Rola-Moça
Rola-Moça se chamou.

terça-feira, 11 de março de 2008

Raulzito: Cowboy fora da lei

Raul Seixas

Mamãe não quero ser prefeito
Pode ser que eu seja eleito
E alguém pode querer me assassinar
Eu não preciso ler jornais
Mentir sozinho eu sou capaz
Não quero ir de encontro ao azar
Papai não quero provar nada
Eu já servi à pátria amada
E todo mundo cobra a minha luz
Oh, coitado, foi tão cedo
Deus me livre, eu tenho medo
Morrer dependurado numa cruz
Eu não sou besta pra tirar onda de herói
Sou vacinado, sou cowboy
Cowboy fora-da-lei
Durango Kid só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar prá história é com vocês
Mamãe não quero ser prefeito
Pode ser que eu seja eleito
E alguém pode querer me assassinar
Eu não preciso ler jornais
Mentir sozinho eu sou capaz
Não quero ir de encontro ao azar
Papai não quero provar nada
Eu já servi à pátria amada
E todo mundo cobra a minha luz
Oh, coitado, foi tão cedo
Deus me livre, eu tenho medo
Morrer dependurado numa cruz
Eu não sou besta pra tirar onda de herói
Sou vacinado, sou cowboy
Cowboy fora-da-lei
Durango Kid só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar prá história é com vocês
Eu não sou besta pra tirar onda de herói
Sou vacinado, sou cowboy
Cowboy fora-da-lei
Durango Kid só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar prá história é com vocês

Jornalismo malfeito, depressa e às vezes sem ética

Depois de ler vários jornais, assistir os telejornais das principais emissoras e passar os olhos nas revistas semanais, ontem, comecei a imaginar o porquê de muita gente não estar nem aí para as informações da mídia. As versões sobre os mesmos assuntos parecem oriundas de planetas diferentes.

Há muito a indústria de comunciação brasileira deixou de ser dardo e passou a alvo. Os versos do "Cowboy fora da lei" de Raulzito fazem sentido: "Eu não preciso ler jornais / Mentir sozinho eu sou capaz". E tem mais.

No lançamento de "Noites do norte", Caetano Veloso (foto) não deu entrevistas. No globo.com declarou: "Faz algum tempo que me sinto um pouco mal quando vejo nos jornais os lançamentos de discos, livros, peças de teatro. Vejo sair uma entrevista matada, uma crítica pequenininha, escrita sem tempo. Acho que o jornal perde e o produto perde".

É preciso reflexão...

segunda-feira, 10 de março de 2008

A longa e sinuosa estrada


The long and winding road
Lennon/McCartney

The long and winding road
That leads to your door
Will never disappear
Ive seen that road before
It always leads me her
Lead me to you door

The wild and windy night
That the rain washed away
Has left a pool of tears
Crying for the day
Why leave me standing here
Let me know the way

Many times Ive been alone
And many times Ive cried
Any way youll never know
The many ways Ive tried

But still they lead me back
To the long winding road
You left me standing here
A long long time ago
Dont leave me waiting here
Lead me to your door

But still they lead me back
To the long winding road
You left me standing here
A long long time ago
Dont leave me waiting here
Lead me to your door
Yeah, yeah, yeah, yeah

sexta-feira, 7 de março de 2008

Capote e a grande revolução do jornalismo 2

A Sangue Frio começa a nascer em 1959, quando Truman Capote lê uma notícia, no New York Times, sobre o assassinato da família Clutter, de agricultores, na cidadezinha de Holcomb, no Kansas (EUA). Capote percebe que ali havia uma grande história a ser contada e dedica seis anos à pesquisa e preparação do texto.

Ao lado do jornalista Harper Lee (Prêmio Pulitzer com "O Sol é Para Todos"), vai até Holcomb investigar a chacina. Homossexual assumido numa época não tão liberal, choca os moradores da até então pacata cidade com a voz efeminada e os trejeitos. Por isso o primeiro contato é feito por Harper.

A empreitada foi bancada pela revista The New Yorker, de John Hersey, um incentivador do chamado jornalismo literário. A Sangue Frio chama atenção não só pelo texto inovador, mas também pelo trabalho de investigação do jornalista, que vai fundo no levantamento de dados e entrevistas.

O livro tem uma versão para o cinema, do diretor Bennett Miller, que inova por contar as duas histórias (a da investigação de Capote e a própria chacina) em paralelo. Com o ator Philip Seymour Hoffman no papel de Capote, dá a dimensão exata da intensidade do escritor e sua capacidade de transformar uma notícia trágica local, que ficaria restrita às páginas policiais, num acontecimento mundial.

Para ler sobre o assunto:
Posfácil
Rabisco
Vacatussa

quinta-feira, 6 de março de 2008

Drummond e o jornalismo com pressa

Poema do jornal
Carlos Drummond de Andrade

O fato ainda não acabou de acontecer
e já a mão nervosa do repórter
o transforma em notícia.
O marido está matando a mulher.
A mulher ensangüentada grita.
Ladrões arrombam o cofre.
A polícia dissolve o meeting.
A pena escreve.

Vem da sala de linotipos a doce música mecânica.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Capote e a grande revolução do jornalismo

A publicação da novela-reportagem "A Sangue Frio", de Truman Capote, em quatro capítulos, na revista "The New Yorker", em 1965, marca a última revolução importante na literatura e no jornalismo do século 20. Tendo como tema o assassinato de quatro membros de uma família americana, na cidade de Holcomb, no Kansas, com 270 habitantes, a obra foi um sucesso e fez a revista bater recordes de venda, antes de sair em livro em 1966. Lá se vão 42 anos de um evento midiático único, com sucesso de público e reações diversas na crítica, que se dividiu entre os a favor e os contra. Tudo porque Capote definiu a obra como "romance de não-ficção".

Como eram bestas aqueles tempos. "A sangue Frio" preparou o terreno para a obra dos jornalistas Tom Wolfe, Hunter Thompson, Gay Talese e muitos outros. Hoje referências na área. Fez mais. De certa forma, também influenciou os escritores James Baldwin e Norman Mailer. O segundo, praticamente revive para a literatura após o livro de Capote. É a partir de "A Sangue Frio" que o Novo Jornalismo se firma e ganha respeito mundial, gerando filhotes nas melhores redações do mundo. "Hell’s Angels", de Hunter Thompson, é de 1966; "O Teste do Ácido do Refresco Elétrico", de Wolfe, de 1968, mesmo ano de "Os Exércitos da Noite", de Norman Mailer. Tem mais. Em 1969, Talese lança "O Reino e o Poder — Uma história do New York Times".

Cadê o olho de repórter a perscrutar o ambiente?

Linda tem apenas 16 anos e é uma menina de classe média que gosta de baladas na noite paulistana da Mooca e ouve Amy Winehouse e Arctic Monkeys no Ipod. Seu nome verdadeiro não é Linda e sua vida tem uma particularidade. Adotada por Sílvia Ramos, 65 anos, redescobriu a mãe biológica, Sônia Santos, 62, e passou a viver com ela. Tem agora duas mães. Mas seu mundo adolescente desmoronou ontem, quando o destino lhe pregou uma peça num daqueles típicos edifícios de pastilhas azuis da Zona Leste. Linda atropelou e matou uma vizinha.

Tudo começou quando sua mãe adotiva, depressiva, passou mal. Linda foi socorrê-la. Chamou o Samu e ficou aguardando. Enquanto esperava, o porteiro José da Silva interfonou e pediu que alguém retirasse o carro da garagem para a realização de uma obra. O veículo, um Celta 2001 cor de sangue, estava lá como um desafio e não havia mais ninguém em casa. O Samu não chegava e Linda pensou que poderia ajudar. Desceu, sentou, segurou o volante com firmeza. Viu Hachiki Kabagawa, de 70 anos, e buzinou. Em seguida, acreditando que ela tinha saído, engatou a marcha à ré e atropelou a senhora.

Ao perceber o acidente, a adolescente saiu do carro. Nesse momento chegou a ambulância. Os paramédicos foram rápidos. Levaram a vítima ao Hospital do Tatuapé. Mas Hachiki não resistiu e morreu às 12 horas e 14 minutos, escreveram os médicos no atestado de óbito. A mãe adotiva de Linda foi socorrida pelo Samu em seguida e passa bem. Quem não está legal é a menina, que entrou em depressão. Foi entregue à mãe biológica, que se comprometeu a apresentar a filha ao Juizado da Infância e Juventude. Como ela é menor de idade, Sônia pode responder a processo por homicídio culposo, que acontece quando não se tem a intenção.

*Esta notícia, reescrita pelo autor do post, foi distribuída ontem (4.3.2008) pelas agências de notícias e editada com omissões. Dados como o nome do porteiro, nomes e idades das mães, características do lugar, hora da morte da vítima e preferências pessoais da adolescente não aparecem no texto. A reportagem publicada nos sites abaixo e muitos outros, impessoal durante todo o tempo, omite informações que poderiam compor um quadro mais real dessa tragédia urbana. Não há o olho de repórter a perscrutar o ambiente, não há detalhes das pessoas e do lugar onde vivem. Para piorar, cada veículo conta a notícia de uma maneira diferente. O texto acima é uma exercício, uma tentativa de contar uma história humana.

Para ler o original:
Folha
G1
Estadão

terça-feira, 4 de março de 2008

Silvio Rodríguez: Para no hacer de mi ícono pedazos



El necio
Silvio Rodríguez

Para no hacer de mi ícono pedazos,
para salvarme entre únicos e impares,
para cederme un lugar en su Parnaso,
para darme un rinconcito en sus altares.
me vienen a convidar a arrepentirme,
me vienen a convidar a que no pierda,
mi vienen a convidar a indefinirme,
me vienen a convidar a tanta mierda.

Yo no se lo que es el destino,
caminando fui lo que fui.
Allá Dios, que será divino.
Yo me muero como viví.

Yo quiero seguir jugando a lo perdido,
yo quiero ser a la zurda más que diestro,
yo quiero hacer un congreso del unido,
yo quiero rezar a fondo un hijonuestro.
Dirán que pasó de moda la locura,
dirán que la gente es mala y no merece,
más yo seguiré soñando travesuras
(acaso multiplicar panes y peces).

Yo no se lo que es el destino,
caminando fui lo que fui.
Allá Dios, que será divino.
Yo me muero como viví.

Dicen que me arrastrarán por sobre rocas
cuando la Revolución se venga abajo,
que machacarán mis manos y mi boca,
que me arrancarán los ojos y el badajo.
Será que la necedad parió conmigo,
la necedad de lo que hoy resulta necio:
la necedad de asumir al enemigo,
la necedad de vivir sin tener precio.

Yo no se lo que es el destino,
caminando fui lo que fui.
Allá Dios, que será divino.
Yo me muero como viví.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Pesos e medidas no jornalismo

Neste domingo (2.3.2008), os sites estrangeiros destacaram o envio de tanques por Hugo Chávez para a fronteira com a Colômbia. Foi manchete na BBC News e na CNN. No Brasil, apenas Estadão e A Tarde Online fizeram o mesmo. Os grandes G1 e UOL destacaram a notícia bem abaixo. Preferiram colocar na manchete o futebol estadual. Vai ver algum internauta corintiano, palmeirense, vascaíno ou flamenguista roxo ainda não sabia o resultado dos jogos de seus times...

Imprensa não é a vanguarda da sociedade

Dizem que fazer jornalismo numa mídia como internet requer uma práxis diferenciada do impresso. Isso faz-me lembrar de um fato ocorrido há alguns anos, quando um submarino russo afundou nas águas geladas do Mar do Norte. Durante cerca de duas semanas várias tentativas de resgate foram feitas para tentar salvar os tripulantes, que, supostamente, poderiam ainda estar vivos. Desde o primeiro dia que a notícia foi colocada como destaque do A Tarde Online esteve sempre entre as mais clicadas pelos internautas. Não deve ter sido diferente nos sites de informação pelo mundo afora. A web alarga horizontes e uma notícia distante, mas cheia de drama humano, às vezes é mais importante que um fato que aconteceu em nossa porta. Muitos dirão que o leitor online, ao contrário do impresso, busca coisas inusitadas na web. Pode até ser, mas não creio totalmente nisso. Independente da mídia, as pessoas querem mesmo são relatos humanos, textos que falem de pessoas reais, que mesmo no perigo desafiam o inevitável. E o jornalista precisa ir atrás dessa boiada. Numa entrevista ao Estadão, em 2006, o jornalista Zuenir Ventura é categórico: "Não se pode nem ficar muito à frente nem muito atrás da sociedade. A imprensa não é a vanguarda da sociedade. Não pode disparar na frente, sob pena de provocar um curto-circuito".

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Faroeste Caboclo

Legião Urbana
Renato Russo

Não tinha medo o tal João de Santo Cristo,
Era o que todos diziam quando ele se perdeu.
Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda
Só pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu.
Quando criança só pensava em ser bandido,
Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu
Era o terror da sertania onde morava
E na escola até o professor com ele aprendeu.

Ia pra igreja só prá roubar o dinheiro
Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar.
Sentia mesmo que era mesmo diferente
Sentia que aquilo ali não era o seu lugar
Ele queria sair para ver o mar
E as coisas que ele via na televisão
Juntou dinheiro para poder viajar
De escolha própria, escolheu a solidão

Comia todas as menininhas da cidade
De tanto brincar de médico, aos doze era professor.
Aos quinze, foi mandado pro o reformatório
Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror.

Não entendia como a vida funcionava
Discriminação por causa de sua classe ou sua cor
Ficou cansado de tentar achar resposta
E comprou uma passagem, foi direto a Salvador.

E lá chegando foi tomar um cafezinho
E encontrou um boiadeiro com quem foi falar
E o boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagem
Mas João foi lhe salvar.

Dizia ele: - Estou indo pra Brasília,
Neste país lugar melhor não há.
Estou precisando visitar a minha filha
Eu fico aqui e você vai no meu lugar.

E João aceitou sua proposta e num ônibus entrou no Planalto Central
Ele ficou bestificado com a cidade
Saindo da rodoviária, viu as luzes de Natal.
- Meu Deus,mas que cidade linda,
No Ano-Novo eu começo a trabalhar.
Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro
Ganhava cem mil por mês em Taguatinga.

Na sexta-feira ia pra zona da cidade
Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador
E conhecia muita gente interessante
Até um neto bastardo do seu bisavô:
Um peruano que vivia na Bolívia
E muitas coisas trazia de lá
Seu nome era Pablo e ele dizia
Que um negócio ele ia começar.

E o Santo Cristo até a morte trabalhava
Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar
E ouvia às sete horas o noticiário
Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar
Mas ele não queria mais conversa e decidiu que,
Como Pablo, ele ia se virar
Elaborou mais uma vez seu plano santo
Sem ser crucificado, a plantação foi começar.

Logo logo os maluco da cidade souberam da novidade:
- Tem bagulho bom ai!
E João de Santo Cristo ficou rico
E acabou com todos os traficantes dali.
Fez amigos, freqüentava a Asa Norte
E ia pra festa de rock, pra se libertar
Mas de repente
Sob uma má influência dos boyzinho da cidade
Começou a roubar.

Já no primeiro roubo ele dançou
E pro inferno ele foi pela primeira vez
Violência e estupro do seu corpo
- Vocês vão ver, eu vou pegar vocês.

Agora o Santo Cristo era bandido
Destemido e temido no Distrito Federal.
Não tinha nenhum medo de polícia
Capitão ou traficante, playboy ou general.
Foi quando conheceu uma menina
E de todos os seus pecados ele se arrependeu.
Maria Lúcia era uma menina linda
E o coração dele
Pra ela o Santo Cristo prometeu
Ele dizia que queria se casar
E carpinteiro ele voltou a ser
- Maria Lúcia pra sempre vou te amar
E um filho com você eu quero ter.

O tempo passa e um dia vem na porta um senhor de alta classe com dinheiro na mão
E ele faz uma proposta indecorosa e diz que espera uma resposta.
Uma resposta do João:
- Não boto bomba em banca de jornal nem em colégio de criança isso eu não faço não
E não cortejo general de dez estrelas, que fica atrás da mesa
Com o cu na mão.
E é melhor senhor sair da minha casa
Nunca brinque com um Peixes de ascendente Escorpião.
Mas antes de sair, com ódio no olhar, o velho disse:
- Você perdeu sua vida, meu irmão.

Você perdeu a sua vida meu irmão. Você perdeu a sua vida meu irmão
Essas palavras vão entrar no coração
Eu vou sofrer as conseqüências como um cão.
Não é que o Santo Cristo estava certo
Seu futuro era incerto e ele não foi trabalhar
Se embebedou e no meio da bebedeira descobriu que tinha outro
Trabalhando em seu lugar
Falou com Pablo que queria um parceiro
E também tinha dinheiro e queria se armar
Pablo trazia o contrabando da Bolívia e Santo Cristo revendia em Planaltina.

Mas acontece que um tal de Jeremias, traficante de renome,
Apareceu por lá
Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo
E decidiu que, com João ele ia acabar.
Mas Pablo trouxe uma Winchester-22
E Santo Cristo já sabia atirar
E decidiu usar a arma só depois
Que Jeremias começasse a brigar.

(O Jeremias, maconheiro sem-vergonha, organizou a Rockonha
E fez todo mundo dançar.)

Desvirginava mocinhas inocentes
Se dizia que era crente mas não sabia rezar.

E Santo Cristo há muito não ia pra casa
E a saudade começou a apertar
- Eu vou me embora, eu vou ver Maria Lúcia
Já tá em tempo de a gente se casar.

Chegando em casa então ele chorou
E pro inferno ele foi pela segunda vez
Com Maria Lúcia Jeremias se casou
E um filho nela ele fez.

Santo Cristo era só ódio por dentro e então o Jeremias prum duelo ele chamou
Amanhã às duas horas na Ceilândia, em frente ao lote 14, é pra lá que eu vou
E você pode escolher as suas armas que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor
E mato também Maria Lúcia, aquela menina falsa pra quem jurei o meu amor

E o Santo Cristo não sabia o que fazer
Quando viu o repórter da televisão
Que deu notícia do duelo na TV
Dizendo a hora e o local e a razão.

No sábado então, às duas horas, todo o povo
Sem demora foi lá só para assistir
Um homem que atirava pelas costas e acertou o Santo Cristo
Começou a sorrir.
Sentindo o sangue na garganta,
João olhou pras bandeirinhas e pro povo a aplaudir
E olhou pro sorveteiro e pras câmeras e
A gente da TV que filmava tudo ali.

E se lembrou de quando era uma criança e de tudo o que vivera até ali
E decidiu entrar de vez naquela dança
- Se a via-crucis virou circo, estou aqui.

E nisso o sol cegou seus olhos e então Maria Lúcia ele reconheceu.
Ela trazia a Winchester-22
A arma que seu primo Pablo lhe deu.

- Jeremias, eu sou homem. coisa que você não é.
E não atiro pelas costas não.
Olha pra cá filha-da-puta, sem-vergonha,
Dá uma olhada no meu sangue
E vem sentir o teu perdão.

E Santo Cristo com a Winchester-22
Deu cinco tiros no bandido traidor
Maria Lúcia se arrependeu depois
E morreu junto com João, seu protetor.

E o povo declarava que João de Santo Cristo era santo porque sabia morrer
E a alta burguesia da cidade não acreditou na história que eles viram na TV
E João não conseguiu o que queria quando veio pra Brasília, com o diabo ter
Ele queria era falar pro presidente,
Pra ajudar toda essa gente
Que só faz...

Sofrer...

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Furo de reportagem e microblogs

Já superamos a era dos blogs, como instrumento de divulgação de idéias e trabalhos. Como a evolução da internet, a onda agora vem com os microblogs, blogs atualizados com textos curtos (no máximo 140 caracteres) muitas vezes diretamente do telefone celular. Os mais mais conhecidos e utilzados são Twitter, Jaiku e Pownce, que abrigam informações como tempo, trânsito e outros. Funciona como um diário veloz e prático, gerando inclusive coberturas jornalísticas. A pergunta no momento é: os microblogs vão substituir as outras mídias numa seara que parecia extinta, o "furo de reportagem"?.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Microblogs e o futuro do jornalismo

O Twitter está revolucionando o jornalismo? Há muita conversa na internet sobre isso, inclusive em blogs de professores e estudiosos do assunto. Falando sério, não dá pra fazer pré-julgamentos nessa área. O sucesso dos microblogs hospedados no site durante o grande incêndio na Califórnia e o aumento da procura agora nas primárias americanas não pode servir de referência. Twitter e seus similares são, na verdade, mensageiros instantâneos como o MSN, com a qualidade extra de colocar na web todas as "conversas" do autor. Voltarei ao assunto...

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Informação fria só enche barriga

Houve uma época em que o jornalismo abrigava poetas e escritores como Machado de Assis e José do Patrocínio. Nem é preciso ir muito longe no tempo. Aqui em Salvador, João Ubaldo Ribeiro trabalhou no Jornal da Bahia. Há muito outros nomes, que não vou citar para não correr o risco de esquecer algum. Basta o exemplo de JUR. O fato é que a profissão foi se tornando cada vez mais técnica e especializada. O post anterior, com o poema do jornalista Chiko Kuneski, é na verdade uma carta da poesia ao jornalista que deixou de ser poeta, sem viço, sem paixão, sem nada. Endurecemos e perdemos a ternura, fomos corroídos pela tecnologia. Raramente um texto de jornal faz o leitor vibrar, rir, chorar. Mas não seria essa a função primordial do jornalista? Informação fria é como culinária pra encher barriga. Não dá prazer como um bom prato preparado com tesão.

Carta da poesia ao poeta

Chiko Kuneski

O tesão já se foi
O prazer se esvai a cada tentativa
Desescrevemo-nos
O desejo mútuo se foi
Até eu já me fui
Sem nos darmos conta
Ambos fazemos de conta
Que ainda estou contigo
Mas,
Olha ao teu redor
Olha ao nosso redor
Vazio
Esquecido de tudo
Presta atenção nas palavras
Já não estamos mais juntos
Escrevemo-nos sempre iguais
Nos mesmos versos
Sem retruques, ou reversos,
Ou...
Reinventarmos
Presta atenção
Olha ao teu redor
Estamos quadrados

Do blog Bloguesia - poesia e jornalismo

Amor é fogo que arde sem se ver

Luís de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Livro e exemplos de Jornalismo Flash

Para quem quer saber mais sobre Jornalismo Flash, há um livro, Flash journalism (em inglês), que pode ser baixado e oferece muita informação sobre essa tendência que já é chamada de "a quarta geração do web jornalismo". É a libertação total do modelo de página inventado junto com a prensa de Gutembergue. Clarín, da Argentina, e El País, da Espanha, são exemplos de portais de notícias que utilizam pesado essa ferramenta.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Sou pobre, sou mendigo, e sou ditoso!

Baixe o livro (PDF)
Vagabundo
Álvares de Azevedo

Eu durmo e vivo no sol como um cigano,
Fumando meu cigarro vaporoso,
Nas noites de verão namoro estrela;
Sou pobre, sou mendigo, e sou ditoso!
Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;
Mas tenho na viola uma riqueza:
Canto à lua de noite serenatas,
E quem vive de amor não tem pobreza.
Não invejo ninguém, nem ouço a raiva
Nas cavernas do peito, sufocante,
Quando à noite na treva em mim se entornam
Os reflexos do baile fascinante.
Namoro e sou feliz nos meus amores;
Sou garboso e rapaz... Uma criada
Abrasada de amor por um soneto
Já um beijo me deu subindo a escada...
Oito dias lá vão que ando cismado
Na donzela que ali defronte mora.
Ela ao ver-me sorri tão docemente!
Desconfio que a moça me namora!..
Tenho por meu palácio as longas ruas;
Passeio a gosto e durmo sem temores;
Quando bebo, sou rei como um poeta,
E o vinho faz sonhar com os amores.
O degrau das igrejas é meu trono,
Minha pátria é o vento que respiro,
Minha mãe é a lua macilenta,
E a preguiça a mulher por quem suspiro.
Escrevo na parede as minhas rimas,
De painéis a carvão adorno a rua;
Como as aves do céu e as flores puras
Abro meu peito ao sol e durmo à lua.
Sinto-me um coração de lazzaroni;
Sou filho do calor, odeio o frio;
Não creio no diabo nem nos santos.
Rezo à Nossa Senhora, e sou vadio!
Ora, se por aí alguma bela
Bem doirada e amante da preguiça
Quiser a nívea mão unir à minha
Há de achar-me na Sé, domingo, à Missa.

Em Música e Poesia

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Jornalismo relâmpago não é Flash

E por falar em multimídia, o novo jornalismo online que começa a ser praticado nos melhores websites incorpora apresentações cada vez mais sofisticadas, com o uso de novos softwares. Paginação dinâmica, animações, interatividade, áudio, vídeo e o escambau! Os neófitos da internet chegam a confundir aquilo com televisão. Mas vai muito além: estamos nos primórdios do Jornalismo Flash, não flash traduzido do inglês (relâmpago), mas a tecnologia que permite essa revolução de participação de usuários (outra neologia no jornalismo que substitui a palavra leitor). Mas há aí dois problemas: exigência de computadores mais atualizados e pessoal especializado para produzir as animações! Alguém sabe onde tem um curso de Flash?

Jornalistas, jornal, tv, internet e videogame

Há poucos dias uma repórter fez uma afirmação que me deixou daquele jeito que a gente fica quando não sabe se parte pra briga ou simplesmente releva e deixa pra lá. Preparando um "off" para uma reportagem de web tv, ela disse que aquilo não era pra ela: "Eu optei pelo jornal porque não gosto de televisão". Santos católicos e do candomblé! Será que vai sobrar algum espaço para os que pensam que a comunicação do futuro pode ser feita em compartimentos estanques como jornal, tv, rádio, web ou o que mais inventem? Sem querer comparar pessoas e profissionais com objetos, mas já comparando, imagine uma vitrine de delicatessen cheia de guloseimas. Há duas muito parecidas, com morandos e creme, mas uma delas é enriquecida com ferro, vitaminas A, B e C. Qual você pegaria? Voltando à vaca fria, no instante em que ouvi a afirmação da jovem jornalista não parti pra briga. Fiz o pior: fiquei calado, afinal era o final de uma jornada estafante de 7 horas. Foi uma omissão imperdoável. Deveria ter recomendado a troca de profissão à colega, porque, quando ela tiver metade do tempo que tenho de profissão, daqui a uma dezena de anos, só terá duas opções: mudar de ramo ou passar a gostar de televisão, rádio, web, videogame...

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Fidel e o Brasil: "Aqui é que deveríamos ter feito a nossa Revolução!"

Ainda na entrevista de 2004 a Geneton Moraes Neto, Guillermo Cabrera Infante relata uma viagem com Fidel Castro em que este cita o Brasil: ''Uma das pessoas com quem tive uma enorme decepção depois de vê-lo pela televisão e pelos jornais foi Fidel Castro. Tivemos contato íntimo. Em abril de 59, fomos a Washington, Nova Iorque, Montreal e ao Brasil, antes de seguirmos para Montevideu e Buenos Aires. A intimidade de estar num avião para apenas vinte pessoas em companhia de Fidel Castro durante tantos dias me convenceu de que aquele indivíduo era um horror. Era um avião de hélice. Em direção ao Rio, o avião baixou para que víssemos a floresta amazônica.O piloto disse : 'Comandante,estamos voando sobre a floresta!'. Eu estava sentado no banco logo atrás de Fidel Castro. O que foi que aconteceu? Fidel ficou olhando a floresta não sei por quanto tempo. De repente, disse : 'Que grande país!'. Eu pensava que era admiração pelo Brasil. Mas ele disse :'Aqui é que deveríamos ter feito a nossa Revolução!'''

Cabrera Infante sobre Fidel: "Você não acha que já chega?"

A renúncia de Fidel Castro, uma espécie de morte sem cadáver, faz-me rememorar o escritor cubano Guillermo Cabrera Infante (foto), que morreu em fevereiro de 2006 exilado em Londres. Na época, vários artigos afirmaram que o ditador havia vencido a queda de braço com seu opositor. Como se a boa literatura não perdurasse ao autor. Uma frase de "Mea Cuba" é bem um retrato de Cabrera Infante, que nos primórdios da revolução havia dirigido o conselho de cultura da ilha: “Numa incrível reviravolta hegeliana, Cuba tinha dado um grande salto em frente – mas tinha caído para trás.” A luta do escritor cubano contra a tirania de Fidel gerou um antagonismo entre ele e Gabriel Garcia Márquez, ao ponto de classificar "Cem anos de solidão" de "livro folclórico". Numa entrevista em 2004 ao jornalista Geneton Moraes Neto, provocado por este sobre um hipotético e ao estilo de Garcia Márquez encontro com Fidel Castro num aeroporto, Cabrera Infante foi incisivo: "Eu só diria uma frase : 'Você não acha que já chega?'''

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Reportagem passiva e crise das mídias

A imprensa brasileira tornou-se, nos últimos 15 anos, uma espécie de antena retransmissora de frases dos poderosos. Claro que há exceções, mas o que assusta no caso é que a regra tem sido essa. Veja a última viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Antártica. Os repórteres que acompanharam a excusão limitaram-se a reproduzir, sempre de longe, as frases que sua excelência queria dizer. Em nenhum momento houve uma entrevista formal. Mas o problema ocorre também no âmbito de funcionários públicos de coturno muito mais baixo. Há alguns dias, um rapaz com frascos de lança perfume no carro invadiu um posto e atropelou um frentista. Foi detido pelos funcionários e entregue à polícia, que o soltou sem mais nem menos. O delegado em nenhum momento foi questionado sobre o porquê de não ter aplicado a lei. Afinal, posse de lança perfume ainda é considerado tráfico de drogas (ou não?), o que permitiria a prisão em flagrante. A passividade da reportagem é um fenômeno que está inserido, como seu inverso, a acusação gratuita e sensacionalista, no processo de crise das mídias com o conseqüente foco na redução de custos.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

E o seu nível de corrupção, como vai?

Millôr Fernandes

Dizem por ai que todo homem tem seu preço. Há quem vá mais longe afirmando que alguns homens são vendidos a preço de banana. Sempre esperei, na vida, o dia da Grande Corrupção, e confesso, decepcionado, que ele nunca veio. A mim só me oferecem causas meritórias, oportunidades de sacrifício, salvações da Pátria ou pura e frontalmente a hedionda tarefa de lutar.. . contra a corrupção. Enquanto eu procuro desesperadamente uma oportunidade, as pessoas e entidades agem comigo de tal forma que às vezes chego a duvidar de que a corrupção exista. Mas, falar em corrupção, como anda a sua? Vendendo saúde ou combalida e atrofiada como a minha? Responda com muito cuidado às perguntas abaixo e depois conclua sobre sua própria personalidade: você é um corrupto total ou um idiota completo? (Não há meio-termo.) Conte 10 pontos para cada resposta certa (você é quem decide qual é a certa) e verifique depois o grau de sua corruptibilidade. Nota: Se você roubar neste teste, é porque sua corrupção é mesmo absolutamente incorruptível.

A) Você descobre que o chefe do seu departamento está com um caso complicado com a secretária do outro chefe em frente. Você: 1) Finge que não viu nada. 2) Diz à secretária que ou também está, nessa ou vai botar a boca no mundo. 3) Oferece o seu sítio ao chefe pra ele passar o fim de semana. 4) Bota a boca no mundo. 5) Insinua ao chefe que há a perigosa hipótese de a mulher dele vir a saber (e enquanto isso põe a promoção embaixo do nariz dele pra ele assinar).

B) Você acha que a Lei e a Ordem é uma mística social maravilhosa para: 1) Impor a lei e a ordem. 2) Acabar com a grita dos descontentes. 3) Grandes oportunidades de ganhar algum por fora. 4) Dividir o bolo entre os íntimos sem ninguém de fora piar.

C) A primeira vez em que você ouviu falar do escândalo de Watergate você disse: 1) Isso é que é país! 2) Como é que o governo americano permite uma imprensa dessas? Isso desmoraliza um país! 3) Eu não compraria um carro usado desse Nixon. 4) Isso jamais aconteceria entre nós. 5) Quanto terão levado esses caras pra se arriscarem dessa maneira?

D) Você, como representante oficial da fiscalização, comparece à apresentação de contas, em dinheiro, no Instituto dos Cegos. Fica surpreendido com o alto volume das arrecadações e em certo momento: 1 ) Diz : "Estou surpreendido com a miserabilidade dos donativos". E tenta enrustir algum. 2) Diz: "Como representante do fisco sou obrigado a reter 30 % de tudo porque esta arrecadação é totalmente ilegal". 3) Diz: "Teria sido até uma boa arrecadação se metade das notas não fossem falsas". 4) Disfarça bem a voz e diz, entredentes: "Todos quietinhos aí, seus Homeros de uma figa: Isto é um assalto!"

E) Você se demite do cargo de maneira irrevogável por insuportáveis pressões morais e absoluta impossibilidade de compactuar com a presente política da firma. Eles prometem triplicar o seu salário. Você: 1) Recusa, indignado, por pensarem que é tudo uma questão de dinheiro. Só ficará se eles derem também as três viagens anuais à Europa a que todos os diretores têm direito. E participação nos lucros retidos da companhia. 2) Diz que, evidentemente, isso e uma prova moral de que eles estão de acordo com você. O dinheiro, aí é definitivo como demonstração de confiança na sua gestão. 3) Pede para pensar 5 minutos antes de dar a resposta. 4) Explica que tem mulher e filhos e não pode manter um pedido de demissão feito, afinal de contas, por motivos tão irrelevantes.

F) Há uma diferença fundamental entre fraudar e evitar o imposto de renda. Quando você descobriu isso, você: 1) Ficou indignado com as possibilidades de os poderosos usarem tudo a seu favor. Como é que se pode escamotear um ordenado? 2) Começou a estudar furiosamente a legislação para descobrir todos os furos. 3) Tinha 11 anos de idade e estava terminando o curso primário. 4) Nunca mais pagou um tostão de imposto.

G) Você dá um nota de 10 pra pagar o jornal, no jornaleiro velhinho da banca da esquina, e percebe que ele lhe deu 50 como troco. Você imediatamente: 1) Corrige o erro do velhinho? 2) Reclama chateado aproveitando a gagaíce do vendedor: "Pô, eu lhe dei uma nota de 100?" 3) Chega em casa e manda todos os seus filhos comprarem vários jornais? 4) Bota o dinheiro no bolso e fica freguês?

H) Você teve que fazer um trabalho na rua, não pôde almoçar, comeu um sanduíche. Você apresenta a conta na companhia: 1) Um sanduíche — 3 cruzeiros. 2) Almoço — 32 cruzeiros. 3) Almoço com o representante da A&F Ltda. — 79 cruzeiros. 4) Despesas gerais — 143 cruzeiros.

I) Quando o desfalque dado pelo auditor geral (8.000.000 pratas) chega a seus ouvidos você murmura: 1) "Idiota, se deixar apanhar assim". 2) "Será que eles vão descobrir também os meus 10.000?". 3) "Se ele tivesse me dado 10% eu tinha feito o negócio de maneira que ninguém nunca ia descobrir". 4) "Eu fiz bem em não entrar no negócio".

Conselho de amigo:
Quando alguém, na rua, gritar "Pega ladrão!", finge que não é com você.


Texto extraído do livro "Todo homem é minha caça", Editorial Nórdica Ltda. — Rio de Janeiro, 1981, pág.60.

Apelo a Meus Dessemelhantes em Favor da Paz

Carlos Drummond de Andrade

Ah, não me tragam originais
para ler, para corrigir, para louvar
sobretudo, para louvar.
Não sou leitor do mundo nem espelho
de figuras que amam refletir-se
no outro à falta de retrato interior.
Sou o Velho Cansado
que adora o seu cansaço e não o quer
submisso ao vão comércio da palavra.
Poupem-me, por favor ou por desprezo,
se não querem poupar-me por amor.
Não leio mais, não posso, que este tempo
a mim distribuído
cai do ramo e azuleja o chão varrido,
chão tão limpo de ambição
que minha só leitura é ler o chão.
Nem sequer li os textos das pirâmides
os textos dos sarcófagos,
estou atrasadíssimo nos gregos,
não conheço os Anais de Assurbanipal,
como é que vou -
mancebos,
senhoritas,
-chegar à poesia de vanguarda
e às glórias do 2.000, que telefonam?
Passam gênios talvez entre as acácias,
sinto estátuas futuras se moldando
sem precisão de mim
que quando jovem (fui-o a.C.,
believe or not)
nunca pulei muro de jardim
para exigir do morador tranqüilo
a canonização do meu estilo.
Sirvam-se de exonerar este macróbio
do penoso exercício literário.
Não exijam prefácios e posfácios
ao ancião que mais fala quando cala.
Brotos de coxa flava e verso manco,
poetas de barba-colar e velutínea
calça puída, verde: tá!
Outoniços, crepusculinos, matronas, contumazes:
tá!
O senhor saiu. Hora que volta? Nunca.
Nunca de corvo, nunca de São-Nunca.
Saiu pra não voltar.
Tudo esqueceu: responder
cartas; sorrir
cumplicemente; agradecer
dedicatórias; retribuir
boas-festas; ir ao coquetel e à noite
de autógrafos-com-pastorinhas.
Ficou assim: o cacto de Manuel
é uma suavidade perto dele.
Respeitem a fera. Triste, sem presas, é fera.
Na jaula do mundo passeia a pata aplastante,
cuidado com ela!
Vocês, garotos de colégio, não perguntem ao poeta
quando ele nasceu.
Ele não nasceu.
Não vai nascer mais.
Desistiu de nascer quando viu que o esperavam garotos de colégio de lápis em punho
com professores na retaguarda comandando: Cacem o urso-polar,
tragam-no vivo para fazer uma conferência.
Repórteres de vespertinos, não tentem entrevistá-lo.
Não lhe, não me peçam opinião
que é impublicável qualquer que seja o fato do dia
e contraditória e louca antes de formulada.
Fotógrafos: não adianta
pedir pose junto ao oratório de Cocais
nem folheando o álbum de Portinari
nem tomando banho de chuveiro.
Sou contra Niepce, Daguerre, contra principalmente minha imagem.
Não quero oferecer minha cara como verônica nas revistas.
Quero a paz das estepes
a paz dos descampados
a paz do Pico de Itabira quando havia Pico de Itabira
a paz de cima das Agulhas Negras
a paz de muito abaixo da mina mais funda e esboroada
de Morro Velho
a paz
da
paz

Sobre novos jornalistas, Drummond e Balzac

Nas redações tem pululado um tipo de jornalista novato que pensa saber tudo do mundo, imagina ter sido gerado num mundo novo e superior ao passado. Nariz empinado, recita, em ritmo de hemorragia, conhecimentos lastreados por uma pesquisa rápida no google.com. O tipo acredita que faz alguma coisa muito importante. Para eles, só uma transfusão urgente de Carlos Drummond de Andrade:
"Minha vida? Acho que foi pouco interessante. O que é que eu fui? Fui um burocrata, um jornalista burocratizado. Não tive nenhum lance importante na minha vida. Nunca exerci um cargo que me permitisse tomar uma grande decisão política ou social ou econômica. Nunca nenhum destino ficou dependendo da minha vida ou do meu comportamento ou da minha atitude".
Por falar no poeta, ele acreditava que o jornalismo era um tipo de literatura, mas Balzac (de novo o francês!), sempre maniqueísta como o mundo humano, reduzia o jornalismo a uma "degeneração" da literatura.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

ABC do repórter marginal

O jornalista e escritor Guilherme Azevedo tem um livro que é uma aula de jornalismo contada em forma de romance. São 15 histórias, todas tendo como personagem o repórter Alencar Almeida e pano de fundo o fictício jornal A Verdade, dirigido por um certo Rosebud, numa alusão à palavra final pronunciada por Charles Foster Kane no filme de Orson Welles. Por uma boa história, Alencar Almeida rasga manuais de redação e desafia chefes. Confira o "ABC do repórter marginal", de Guilherme Azevedo:

Avante, jovem repórter!
Vá com fé no seu caminho
Com a pauta do coração
Largue essa aí no escaninho
Dicas de plástica? Não!
Basta de assunto daninho

Bendito o seu destino
Sempre avesso ao disparate
De falar sempre do rico
De Mileide, socialate
Se lá na Cohab não há
Dinheiro nem para o mate

Cuidado com o editor
Do que será que ele ri?
Será sorriso sincero
Ou mais fino bisturi?
Que corta a ânsia de justiça
Qual facão pobre siri

Deixe a sua Musa o guiar
Acredite em seus sentidos
Se a sua alma disser que sim
Siga até de olhos cerzidos
A pauta boa já ressoa
Está no ar, em seus ouvidos

Escreva sobre o sem-voz
O largado à própria sorte
Sobre quem vira manchete
Apenas na hora da morte
Louvando quem bem merece
Ferindo ladrão de porte

Fuja dessa redação
Jornalismo sem a rua
É pura adivinhação
É só em foto ver a lua
Propaganda de cosmético
Viagem em furada falua

Golpeie, só se necessário
Sua palavra, sua arma
De fino grosso calibre
O amor à Justiça, seu darma
Sua guerra, sua calma
A insatisfação, seu carma

Hoje, anteontem, amanhã
No seu caminho imutável
Sempre em busca da poesia
Na trilha do indispensável
Do fútil tem alergia
Acha o novo desconfiável

Incorruptível eterno
Pois não valoriza a grana
Nem carro, luxo ou cargo
De sua convicção emana
Doce aroma, clara chama
Ao leitor jamais engana

Jornalista que se preza
Pois trabalho é sacerdócio
Pelo bem da maioria
Com a pena não faz negócio
Texto não é moeda de troca
Nem momento de ser dócil

Lide, prisão do bom texto
Sêmen da esterilidade
Eles dizem que é ciência
Para chegar à verdade
Mas você, repórter, sabe
Que é pura comodidade

Meça toda a sua cidade
Ande muito, muito a pé
Ouça a voz que vem das dores
O grito mudo, sem fé
Jamais duvide do choro
Da Maria pelo Zé

Namore a sua realidade
Ela lhe espera lá fora
Ela lhe sorri, o chama
Reclama, por você implora
Não dê uma de cego, surdo
Olhe a Primavera que aflora

Oriente-se pelo céu
Seu amor, astronomia
Guie-se também pelo chão
Sua certeza, geografia
Seu sonho gira feito astro
Sua ação reta como guia

Prepare-se para o não
Para muita, muita pedra
E não tema, pois diz Tao
Palavra sábia, bem vedra:
O universo favorece
Os bons, a eles sempre medra

Quimera, ali é o seu reino
Onde reencontra igualdade
Jornalismo, amor, poesia
Sua suma Santa Trindade
Mas qual! Que triste surpresa!
Abre o olho, é só falsidade!

Realidade, exemplo da
Melhor grande reportagem
Jornalismo com poesia
O povo sem maquilagem
Texto com profundidade
Escrito após muita aragem

Ser a cada dia mais simples
Sábio, correto e sensível
É o único objetivo
Apalavrando o indizível
Emocionando a razão
Tingindo o supravisível

Todas as formas, palavras
Sentimentos, sensações
Todos os ritmos, períodos
As vozes, interjeições
Jornalirismo: aqui pode
Tudo, menos restrições

Umbrosos tornaram os campos
Mas brilhante o seu fino aço
Curvilíneos os caminhos
Mas retilíneo o seu traço
Estreitas as parcas sendas
Mas ampla a chã, seu regaço

Virtuose em descobrir almas
Em revelar na entrevista
O melhor que há de cada um
Sempre garimpa a ametista
Onde tantos só acham breu
Do real é fiel retratista

Xeque-mate, match point
Na falsa neutralidade
Jornalista tem sim lado
É fraude a sinceridade?
Boa a verdade do patrão?
Chega de passividade

Zéfiro traz a Boa Nova
Vem aí outro jornalismo
Bem mais humano, mais real
Repórter salvo do abismo
De volta ao centro da rua
Vida sem ilusionismo.

Leminski e a existência do amor bastante

Venus e Marte, de Sandro Botticelli

Amor Bastante
Paulo Leminski

quando eu vi você
tive uma idéia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante

basta um instante
e você tem amor bastante

um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

Leminski e o elogio da inutilidade

O poeta Paulo Leminski (24 de agosto de 1944-7 de junho de 1989) fez também teoria literária. O livro Ensaios Crípticos, de1986, reúne textos sobre poesia, arte e literatura. Foi organizado a quatro mãos com a poeta Alice Ruiz, sua ex-mulher. Um dos textos do livro é o "Inutensílios", sobre a dicotomia entre a arte e a poesia e a sociedade pequeno-burguesa:

A ditadura da utilidade
"A burguesia criou um universo onde todo gesto tem que ser útil. Tudo tem que ter um para quê, desde que os mercadores, com a Revolução Mercantil, Francesa e Industrial, substituíram no poder aquela nobreza cultivadora de inúteis heráldicas, pompas não rentábeis e ostentosas cerimônias intransitivas. Parecia coisa de índio. Ou de negro. O pragmatismo de empresários, vendedores e compradores, mete preço em cima de tudo. Porque tudo tem que dar lucro. Há trezentos anos, pelo menos, a ditadura da utilidade é unha e carne com o lucrocentrismo de toda essa nossa civilização. E o princípio da utilidade corrompe todos os setores da vida, nos fazendo crer que a própria vida tem que dar lucro. Vida é o dom dos deuses, para ser saboreada intensamente até que a Bomba de Nêutrons ou o vazamento da usina nuclear nos separe deste pedaço de carne pulsante, único bem de que temos certeza."

Além da utilidade
" O amor. A amizade. O convívio. O júbilo do gol. A festa. A embriaguez. A poesia. A rebeldia. Os estados de graça. A possessão diabólica. A plenitude da carne. O orgasmo. Estas coisas não precisam de justificação nem de justificativas.
Todos sabemos que elas são a própria finalidade da vida. As únicas coisas grandes e boas, que pode nos dar esta passagem pela crosta deste terceiro planeta depois do Sol (alguém conhece coisa além- Cartas à redação). Fazemos as coisas úteis para ter acesso a estes dons absolutos e finais. A luta do trabalhador por melhores condições de vida é, no fundo, luta pelo acesso a estes bens, brilhando além dos horizontes estreitos do útil, do prático e do lucro.
Coisas inúteis (ou "in-úteis") são a própria finalidade da vida.
Vivemos num mundo contra a vida. A verdadeira vida. Que é feita de júbilo, liberdade e fulgor animal.
Cem mil anos-luz além da utilidade, que a mística imigrante do trabalho cultiva em nós, flores perversas no jardim do diabo, nome que damos a todas as forças que nos afastam da nossa felicidade, enquanto eu ou enquanto tribo.
A poesia é u principio do prazer no uso da linguagem. E os poderes deste mundo não suportam o prazer. A sociedade industrial, centrada no trabalho servo-mecânico, dos USA à URSS, compra, por salário, o potencial erótico das pessoas em troca de performances produtivas, numericamente calculáveis.
A função da poesia é a função do prazer na vida humana.
Quem quer que a poesia sirva para alguma coisa não ama a poesia. Ama outra coisa. Afinal, a arte só tem alcance prático em suas manifestações inferiores, na diluição da informação original. Os que exigem conteúdos querem que a poesia produza um lucro ideológico.
O lucro da poesia, quando verdadeira, é o surgimento de novos objetos no mundo. Objetos que signifiquem a capacidade da gente de produzir mundos novos. Uma capacidade in-útil. Além da utilidade.
Existe uma política na poesia que não se confunde com a política que vai na cabeça dos políticos. Uma política mais complexa, mais rarefeita, uma luz política ultra-violeta ou infra-vermelha. Uma política profunda, que é crítica da própria política, enquanto modo limitado de ver a vida."

O indispensável in-útil
" As pessoas sem imaginação estão sempre querendo que a arte sirva para alguma coisa. Servir. Prestar. O serviço militar. Dar lucro. Não enxergam que a arte (a poesia é arte) é a única chance que o homem tem de vivenciar a experiência de um mundo da liberdade, além da necessidade. As utopias, afinal de contas, são, sobretudo, obras de arte. E obras de arte são rebeldias.
A rebeldia é um bem absoluto. Sua manifestação na linguagem chamamos poesia, inestimável inutensílio.
As várias prosas do cotidiano e do(s) sistema(s) tentam domar a megera.
Mas ela sempre volta a incomodar.
Com o radical incômodo de urna coisa in-útil num mundo onde tudo tem que dar um lucro e ter um por quê.
Pra que por quê?"