sábado, 29 de março de 2008

A guerra, a morte e ação dos homens sobre o planeta

Lamento do oficial por seu cavalo morto
Cecília Meireles

Nós merecemos a morte,
porque somos humanos
e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pelo nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.

Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia,
os cálculos do gesto,
embora sabendo que somos irmãos.
Temos até os átomos por cúmplices, e que pecados
de ciência, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!
Que delírio sem Deus, nossa imaginação!

E aqui morreste! Oh, tua morte é a minha, que, enganada,
recebes. Não te queixas. Não pensas. Não sabes. Indigno,
ver parar, pelo meu, teu inofensivo coração.
Animal encantado - melhor que nós todos!
- que tinhas tu com este mundo
dos homens?

Aprendias a vida, plácida e pura, e entrelaçada
em carne e sonho, que os teus olhos decifravam...

Rei das planícies verdes, com rios trêmulos de relinchos...

Como vieste morrer por um que mata seus irmãos!

in Mar Absoluto e outros poemas: Retrato Natural. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983

quarta-feira, 26 de março de 2008

Frases, pra que as queremos?

Frases bem articuladas têm o poder de dizer tudo em poucas palavras.
Aí estão algumas:

"As pessoas valem o que vale a afeição da gente, e é daí que mestre Povo tirou aquele adágio que quem o feio ama bonito lhe parece"
"Suporta-se com paciência a cólica do próximo"
Machado de Assis

"Pelo erros dos outros, o homem sensato corrige os seus"
Oswaldo Cruz

"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis"
Fernando Pessoa

"Uma longa viagem começa com um único passo"
Lao-Tsé

"Os ricos transam. Os pobres procriam"
"Comida é bom, bebida é ótimo, música é admirável, literatura é sublime, mas só o sexo provoca ereção"
Millôr Fernandes

" O essencial é invisível aos olhos; só se vê bem com o coração"
Saint Exupéry

"Ou a mulher é fria ou morde.Sem dentada não há amor possível"
Nelson Rodrigues

"Podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos a um elogio"
Sigmund Freud

"Os que fazem amor não estão fazendo apenas amor: estão dando corda ao relógio do mundo"
Mário Quintana

"Nunca faças aposta. Se sabes que vais ganhar és um patife, e se não sabes és um tonto"
Confúcio

segunda-feira, 24 de março de 2008

Reportagem em versos: a experiência baiana

Escrever reportagem em versos é uma prática que nasceu antes da imprensa de Gutemburgue. Relatos de acontecimentos sempre foram contados e cantados em versos, mesmo que os versos não tivessem métrica ou até mesmo rima. Na Bahia, começamos com a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei dom Manoel, depois do encontro com a nova terra, no início do século 16. Continuamos com Gregório de Mattos, o Boca do Inferno, no século 17, e no início do século 20 com José Gomes, o Cuíca de Santo Amaro, puxando admiradores e desafetos pelas ruas de Salvador:

"Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!", in Carta ao rei, de Pero Vaz de Caminha

"Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna, e é que, quem o dinheiro nos arranca, nos arranca as mãos, a língua, os olhos. Esta mãe universal, esta célebre Bahia, que a seus peitos toma, e cria, os que enjeita Portugal", in Senhora Dona Bahia, Gregório de Mattos

"Esta é uma lição, quem é noivo ou está pra isso, para aquele que é casado. Não vá atrás de lorotas. Quando for durante a noite, tenha muita precaução. Deve ter todo o cuidado com moça que more em Brotas, porque ao contrário tome bem o meu conselho. O sujeito está roubado, porque senão é patota", in A vingança da mulher de Brotas, de Cuíca de Santo Amaro

sábado, 22 de março de 2008

O Jornal Nacional e a consistência da notícia

A dengue explodiu na cidade do Rio de Janeiro e o país tomou um susto, esta semana, quando o Jornal Nacional da Rede Globo expôs o problema. Até então o jornalão limitava-se a notas cobertas, se muito. O JN exige consistência de qualquer fato que coloque no ar. Até esta semana, apenas a população carioca reclamava de uma epidemia da doença na cidade. Os governos municipal, federal e estadual não se pronunciavam ou negavam. Foi preciso que o Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro entrasse com uma ação de responsabilidade contra os órgãos públicos para que o jornalão líder em audiência tivesse a confirmação e destacasse a notícia.

O Jornal da Band, que adota outra metodologia, vinha abrindo espaço há 20 dias para a reclamação dos pacientes nas filas dos hospitais. Não havia números oficiais compilados, os governos se omitiam e os médicos ainda não haviam se pronunciado. O que havia eram filas e mais filas de pessoas com a doença, números aqui e ali. A reportagem da Bandeirantes foi à luta, compilou números extra-oficiais ou de unidades isoladas e começou a mostrar as pessoas.

Fica uma constatação desse fato: o jornalismo não pode ficar a reboque de números oficiais, precisa aprender a fazer contas e a ouvir a voz do cidadão nas ruas.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Wolfe e o jornalismo escrito como uma carta

Thomas Kennerly Wolfe, ou Tom Wolfe (à esquerda na capa da Time), como é conhecido, é considerado um dos criadores do New Journalism. Jornalista e escritor, começou a escever seu primeiro livro aos nove anos. Filho de pais abastados, começou profissionalmente como jornalista no Springfield Union, de Massachusetts, passou pelo The Washington Post e New York Herald Tribune, mas sua carreira foi marcada pelo trabalho na revista Esquire.

A relação com a publicação começou quando Wolfe propôs ao editor um artigo sobre a onda de carros customizados no sul da Califórnia. Byron Dobell, que dirigia a revista, propôs que ele enviasse suas anotações para avaliação. Wolfe escreveu uma carta contando como gostaria de escrever o artigo. Dobell só cortou o "Caro sr. Byron" da carta e ela foi publicada na íntegra.

O resultado saiu em 1964 com o título There Goes (Varoom! Varoom!) That Kandy-Kolored Tangerine-Flake Streamline Baby. Provocou ampla discussão, no estilo que depois marcaria sua carreira, com críticos derramando elogios e outros simplesmente execrando o autor. O primeiro livro de Wolfe, The Kandy-Kolored Tangerine-Flake Streamline Babyresultou desse artigo para a Esquire.

terça-feira, 18 de março de 2008

Usuário online responde mais a temas próximos

Na BBC News, na manhã desta terça (18.3), a notícia mais comentada era "Vegan diet 'help' for arthritis", algo como "Ajuda da dieta vegan para artrite". Muito debate já rolou sobre as preferências de leitura do usuário da mídia online, mas não há muito consenso. O que faz uma reportagem como essa provocar o internauta a escrever? Destaque-se que não era a mais lida no momento, mas a que provocou a necessidade de intervenção do leitor. Uma pista poderia estar na proximidade do assunto com as pessoas. No Reino Unido, 350 mil pessoas sofrem de artrite reumatóide.

Obs: O veganismo é montado como filosofia. A dieta é apenas uma parte. Suas escolhas estão baseadas em aspectos sociais e morais, como rejeitar o que muitos chamam de "indústria da morte", com a criação de animais para alimentação humana.
>>>Leia mais

Bandeira e a morte definitiva

A morte absoluta
Manuel Bandeira

Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.


Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.


Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?


Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.


Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."


Morrer mais completamente ainda,
- Sem deixar sequer esse nome.

domingo, 16 de março de 2008

E o meu medo maior é o espelho se quebrar...

Espelho
João Nogueira

Nascido no subúrbio nos melhores dias
Com votos da família de vida feliz
Andar e pilotar um pássaro de aço
Sonhava ao fim do dia ao me descer cansaço
Com as fardas mais bonitas desse meu país
O pai de anel no dedo, o dedo na viola
Sorria e parecia mesmo ser feliz
Eh! Vida boa quanto tempo faz
Que felicidade
E que vontade de tocar viola de verdade
E de fazer canções como as que fez meu pai
E de fazer canções como as que fez meu pai
Um dia de tristeza me faltou o velho
E falta lhe confesso que ainda hoje faz
E me abracei na bola e pensei ser um dia
Um craque da pelota ao me tornar rapaz
Um dia chutei mal e machuquei o dedo
E sem ter mais o velho pra tirar o medo
Foi mais uma vontade que ficou pra trás
Eh! Vida boa, vai no tempo vai
E eu sem ter maldade
Na inocência de criança de tão pouca idade
Troquei de mal com deus por me levar meu pai
Troquei de mal com deus por me levar meu pai
E assim crescendo eu fui me criando sozinho
Aprendendo na rua, na escola e no lar
Um dia eu me tornei o bambambã da esquina
Em toda brincadeira, em briga e namorar
Até que um dia eu tive que largar o estudo
E trabalhar na rua sustentando tudo
Assim sem perceber eu era adulto já
Eh! Vida boa vai no tempo vai
Ai mas que saudade
Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade
E orgulho de seu filho ser igual seu pai
Pois me beijaram a boca e me tornei poeta
Mas tão habituado com o adverso
Eu temo se um dia me machuca o verso
E o meu medo maior é o espelho se quebrar
E o meu medo maior é o espelho se quebrar

sexta-feira, 14 de março de 2008

Cibernética: Informação para explicar a natureza

Norbert Wiener (foto) nasceu em 1894 no Estado de Missouri, Estados Unidos, e morreu em 1964, antes da revolução dos computadores. Graduado em Matemática aos 14 anos, já era doutor em Lógica aos 18. Mas o que tem de mais em Wiener? Ele é o reinventor da cibernética (do grego kybernetiké, que significa condutor, governador, piloto). Em 1948, o cientista lançou o livro "Cybernetics" e retomou uma definição cunhadada por Platão, na Grécia antiga, para qualificar a ação da alma.

Até então, fenômenos naturais eram explicados a partir da noção de energia, pilar da física newtoniana. A cibernética revira a explicação e revela que a informação é a base para descrever a natureza. Estudando o tratamento da informação como codificação e decodificação, retroação (feedback) e aprendizagem, entre outros, Wiener percebe que, do ponto de vista da transmissão da informação, não existe distinção entre máquinas e seres vivos.

O conhecimento humano é, na verdade, uma seleção feita a partir do que nos chega por ouvidos, olhos e boca. O volume de informações é tão grande que se não tivéssemos a capacidade de selecioná-las seríamos aniquilados por elas. Isso tudo quer dizer, segundo a cibernética, que a informação tem aspecto estatístico e assim pode ser estudada. O significado das coisas é influenciado pela regulação de um código sobre outro e vice-versa.

E toda essa discussão começou na 2ª Guerra Mundial, quando Wiener e seu colega Julian Bigelow fizeram estudos para aperfeiçoar canhões anti-aéreos. Isso resultou na formalização da noção de realimentação negativa, que foi então utilizada como base para modelos de controle de sistemas artificiais e até do sistema nervoso central.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Teoria cibernética da informação

A teoria cibernética da informação, proposta por Norbert Wiener, reconhece dois tipos de 'feedbacks' ou retornos mecânicos. Wiener propõe que o primeiro é aquele em que um esforço é equilibrado pelo seu inverso (auto-regulação). A fórmula seria assim: "quanto mais x, menos y; quanto menos x, mais y". O segundo modelo é o de auto-reforço ou a retroalimentação galopante (quanto mais x, mais y).

Os exemplos estão aí. No primeiro caso, estão a oferta e a procura, de Adam Smith, o rolar do volante ao dirigir e o equilíbrio das bicicleta. O segundo modelo, o do auto-reforço, não existe na natureza, com exceção das epidemias, em que quanto mais pessoas doentes mais doentes teremos, mas está presente na Comunicação.

Nela, temos a auto-regulação e o auto-reforço às vezes aparecendo juntos ou separados. Há duas versões. A primeira, a do círculo vicioso ou virtuoso, é auto-reguladora. É o caso de antiga propaganda de biscoitos, os que "vendem mais porque estão sempre frescos e estão sempre frescos porque vendem mais" (quanto menos, mais; quanto mais, menos).

A segunda, da popularidade ou maldição, é de auto-reforço: "quanto mais, mais" e "quanto menos, menos". Quanto mais pessoas apoiam uma idéia, mais ela cresce. O inverso também é correto: quanto menos pessoas a aceitem, menos chances ela tem de crescer. No jornalismo, a teoria de Wiener é ferramenta de análise do profissional que prescuta a realidade.

quarta-feira, 12 de março de 2008

A serra do Rola Moça

Um poema de Mário de Andrade que parece cordel, parece reportagem...

Mário de Andrade

A Serra do Rola-Moça
Não tinha esse nome não...

Eles eram do outro lado,
Vieram na vila casar.
E atravessaram a serra,
O noivo com a noiva dele
Cada qual no seu cavalo.

Antes que chegasse a noite
Se lembraram de voltar.
Disseram adeus pra todos
E se puserem de novo
Pelos atalhos da serra
Cada qual no seu cavalo.

Os dois estavam felizes,
Na altura tudo era paz.
Pelos caminhos estreitos
Ele na frente, ela atrás.
E riam. Como eles riam!
Riam até sem razão.

A Serra do Rola-Moça
Não tinha esse nome não.

As tribos rubras da tarde
Rapidamente fugiam
E apressadas se escondiam
Lá embaixo nos socavões,
Temendo a noite que vinha.

Porém os dois continuavam
Cada qual no seu cavalo,
E riam. Como eles riam!
E os risos também casavam
Com as risadas dos cascalhos,
Que pulando levianinhos
Da vereda se soltavam,
Buscando o despenhadeiro.

Ali, Fortuna inviolável!
O casco pisara em falso.
Dão noiva e cavalo um salto
Precipitados no abismo.
Nem o baque se escutou.
Faz um silêncio de morte,
Na altura tudo era paz ...
Chicoteado o seu cavalo,
No vão do despenhadeiro
O noivo se despenhou.

E a Serra do Rola-Moça
Rola-Moça se chamou.

terça-feira, 11 de março de 2008

Raulzito: Cowboy fora da lei

Raul Seixas

Mamãe não quero ser prefeito
Pode ser que eu seja eleito
E alguém pode querer me assassinar
Eu não preciso ler jornais
Mentir sozinho eu sou capaz
Não quero ir de encontro ao azar
Papai não quero provar nada
Eu já servi à pátria amada
E todo mundo cobra a minha luz
Oh, coitado, foi tão cedo
Deus me livre, eu tenho medo
Morrer dependurado numa cruz
Eu não sou besta pra tirar onda de herói
Sou vacinado, sou cowboy
Cowboy fora-da-lei
Durango Kid só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar prá história é com vocês
Mamãe não quero ser prefeito
Pode ser que eu seja eleito
E alguém pode querer me assassinar
Eu não preciso ler jornais
Mentir sozinho eu sou capaz
Não quero ir de encontro ao azar
Papai não quero provar nada
Eu já servi à pátria amada
E todo mundo cobra a minha luz
Oh, coitado, foi tão cedo
Deus me livre, eu tenho medo
Morrer dependurado numa cruz
Eu não sou besta pra tirar onda de herói
Sou vacinado, sou cowboy
Cowboy fora-da-lei
Durango Kid só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar prá história é com vocês
Eu não sou besta pra tirar onda de herói
Sou vacinado, sou cowboy
Cowboy fora-da-lei
Durango Kid só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar prá história é com vocês

Jornalismo malfeito, depressa e às vezes sem ética

Depois de ler vários jornais, assistir os telejornais das principais emissoras e passar os olhos nas revistas semanais, ontem, comecei a imaginar o porquê de muita gente não estar nem aí para as informações da mídia. As versões sobre os mesmos assuntos parecem oriundas de planetas diferentes.

Há muito a indústria de comunciação brasileira deixou de ser dardo e passou a alvo. Os versos do "Cowboy fora da lei" de Raulzito fazem sentido: "Eu não preciso ler jornais / Mentir sozinho eu sou capaz". E tem mais.

No lançamento de "Noites do norte", Caetano Veloso (foto) não deu entrevistas. No globo.com declarou: "Faz algum tempo que me sinto um pouco mal quando vejo nos jornais os lançamentos de discos, livros, peças de teatro. Vejo sair uma entrevista matada, uma crítica pequenininha, escrita sem tempo. Acho que o jornal perde e o produto perde".

É preciso reflexão...

segunda-feira, 10 de março de 2008

A longa e sinuosa estrada


The long and winding road
Lennon/McCartney

The long and winding road
That leads to your door
Will never disappear
Ive seen that road before
It always leads me her
Lead me to you door

The wild and windy night
That the rain washed away
Has left a pool of tears
Crying for the day
Why leave me standing here
Let me know the way

Many times Ive been alone
And many times Ive cried
Any way youll never know
The many ways Ive tried

But still they lead me back
To the long winding road
You left me standing here
A long long time ago
Dont leave me waiting here
Lead me to your door

But still they lead me back
To the long winding road
You left me standing here
A long long time ago
Dont leave me waiting here
Lead me to your door
Yeah, yeah, yeah, yeah

sexta-feira, 7 de março de 2008

Capote e a grande revolução do jornalismo 2

A Sangue Frio começa a nascer em 1959, quando Truman Capote lê uma notícia, no New York Times, sobre o assassinato da família Clutter, de agricultores, na cidadezinha de Holcomb, no Kansas (EUA). Capote percebe que ali havia uma grande história a ser contada e dedica seis anos à pesquisa e preparação do texto.

Ao lado do jornalista Harper Lee (Prêmio Pulitzer com "O Sol é Para Todos"), vai até Holcomb investigar a chacina. Homossexual assumido numa época não tão liberal, choca os moradores da até então pacata cidade com a voz efeminada e os trejeitos. Por isso o primeiro contato é feito por Harper.

A empreitada foi bancada pela revista The New Yorker, de John Hersey, um incentivador do chamado jornalismo literário. A Sangue Frio chama atenção não só pelo texto inovador, mas também pelo trabalho de investigação do jornalista, que vai fundo no levantamento de dados e entrevistas.

O livro tem uma versão para o cinema, do diretor Bennett Miller, que inova por contar as duas histórias (a da investigação de Capote e a própria chacina) em paralelo. Com o ator Philip Seymour Hoffman no papel de Capote, dá a dimensão exata da intensidade do escritor e sua capacidade de transformar uma notícia trágica local, que ficaria restrita às páginas policiais, num acontecimento mundial.

Para ler sobre o assunto:
Posfácil
Rabisco
Vacatussa

quinta-feira, 6 de março de 2008

Drummond e o jornalismo com pressa

Poema do jornal
Carlos Drummond de Andrade

O fato ainda não acabou de acontecer
e já a mão nervosa do repórter
o transforma em notícia.
O marido está matando a mulher.
A mulher ensangüentada grita.
Ladrões arrombam o cofre.
A polícia dissolve o meeting.
A pena escreve.

Vem da sala de linotipos a doce música mecânica.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Capote e a grande revolução do jornalismo

A publicação da novela-reportagem "A Sangue Frio", de Truman Capote, em quatro capítulos, na revista "The New Yorker", em 1965, marca a última revolução importante na literatura e no jornalismo do século 20. Tendo como tema o assassinato de quatro membros de uma família americana, na cidade de Holcomb, no Kansas, com 270 habitantes, a obra foi um sucesso e fez a revista bater recordes de venda, antes de sair em livro em 1966. Lá se vão 42 anos de um evento midiático único, com sucesso de público e reações diversas na crítica, que se dividiu entre os a favor e os contra. Tudo porque Capote definiu a obra como "romance de não-ficção".

Como eram bestas aqueles tempos. "A sangue Frio" preparou o terreno para a obra dos jornalistas Tom Wolfe, Hunter Thompson, Gay Talese e muitos outros. Hoje referências na área. Fez mais. De certa forma, também influenciou os escritores James Baldwin e Norman Mailer. O segundo, praticamente revive para a literatura após o livro de Capote. É a partir de "A Sangue Frio" que o Novo Jornalismo se firma e ganha respeito mundial, gerando filhotes nas melhores redações do mundo. "Hell’s Angels", de Hunter Thompson, é de 1966; "O Teste do Ácido do Refresco Elétrico", de Wolfe, de 1968, mesmo ano de "Os Exércitos da Noite", de Norman Mailer. Tem mais. Em 1969, Talese lança "O Reino e o Poder — Uma história do New York Times".

Cadê o olho de repórter a perscrutar o ambiente?

Linda tem apenas 16 anos e é uma menina de classe média que gosta de baladas na noite paulistana da Mooca e ouve Amy Winehouse e Arctic Monkeys no Ipod. Seu nome verdadeiro não é Linda e sua vida tem uma particularidade. Adotada por Sílvia Ramos, 65 anos, redescobriu a mãe biológica, Sônia Santos, 62, e passou a viver com ela. Tem agora duas mães. Mas seu mundo adolescente desmoronou ontem, quando o destino lhe pregou uma peça num daqueles típicos edifícios de pastilhas azuis da Zona Leste. Linda atropelou e matou uma vizinha.

Tudo começou quando sua mãe adotiva, depressiva, passou mal. Linda foi socorrê-la. Chamou o Samu e ficou aguardando. Enquanto esperava, o porteiro José da Silva interfonou e pediu que alguém retirasse o carro da garagem para a realização de uma obra. O veículo, um Celta 2001 cor de sangue, estava lá como um desafio e não havia mais ninguém em casa. O Samu não chegava e Linda pensou que poderia ajudar. Desceu, sentou, segurou o volante com firmeza. Viu Hachiki Kabagawa, de 70 anos, e buzinou. Em seguida, acreditando que ela tinha saído, engatou a marcha à ré e atropelou a senhora.

Ao perceber o acidente, a adolescente saiu do carro. Nesse momento chegou a ambulância. Os paramédicos foram rápidos. Levaram a vítima ao Hospital do Tatuapé. Mas Hachiki não resistiu e morreu às 12 horas e 14 minutos, escreveram os médicos no atestado de óbito. A mãe adotiva de Linda foi socorrida pelo Samu em seguida e passa bem. Quem não está legal é a menina, que entrou em depressão. Foi entregue à mãe biológica, que se comprometeu a apresentar a filha ao Juizado da Infância e Juventude. Como ela é menor de idade, Sônia pode responder a processo por homicídio culposo, que acontece quando não se tem a intenção.

*Esta notícia, reescrita pelo autor do post, foi distribuída ontem (4.3.2008) pelas agências de notícias e editada com omissões. Dados como o nome do porteiro, nomes e idades das mães, características do lugar, hora da morte da vítima e preferências pessoais da adolescente não aparecem no texto. A reportagem publicada nos sites abaixo e muitos outros, impessoal durante todo o tempo, omite informações que poderiam compor um quadro mais real dessa tragédia urbana. Não há o olho de repórter a perscrutar o ambiente, não há detalhes das pessoas e do lugar onde vivem. Para piorar, cada veículo conta a notícia de uma maneira diferente. O texto acima é uma exercício, uma tentativa de contar uma história humana.

Para ler o original:
Folha
G1
Estadão

terça-feira, 4 de março de 2008

Silvio Rodríguez: Para no hacer de mi ícono pedazos



El necio
Silvio Rodríguez

Para no hacer de mi ícono pedazos,
para salvarme entre únicos e impares,
para cederme un lugar en su Parnaso,
para darme un rinconcito en sus altares.
me vienen a convidar a arrepentirme,
me vienen a convidar a que no pierda,
mi vienen a convidar a indefinirme,
me vienen a convidar a tanta mierda.

Yo no se lo que es el destino,
caminando fui lo que fui.
Allá Dios, que será divino.
Yo me muero como viví.

Yo quiero seguir jugando a lo perdido,
yo quiero ser a la zurda más que diestro,
yo quiero hacer un congreso del unido,
yo quiero rezar a fondo un hijonuestro.
Dirán que pasó de moda la locura,
dirán que la gente es mala y no merece,
más yo seguiré soñando travesuras
(acaso multiplicar panes y peces).

Yo no se lo que es el destino,
caminando fui lo que fui.
Allá Dios, que será divino.
Yo me muero como viví.

Dicen que me arrastrarán por sobre rocas
cuando la Revolución se venga abajo,
que machacarán mis manos y mi boca,
que me arrancarán los ojos y el badajo.
Será que la necedad parió conmigo,
la necedad de lo que hoy resulta necio:
la necedad de asumir al enemigo,
la necedad de vivir sin tener precio.

Yo no se lo que es el destino,
caminando fui lo que fui.
Allá Dios, que será divino.
Yo me muero como viví.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Pesos e medidas no jornalismo

Neste domingo (2.3.2008), os sites estrangeiros destacaram o envio de tanques por Hugo Chávez para a fronteira com a Colômbia. Foi manchete na BBC News e na CNN. No Brasil, apenas Estadão e A Tarde Online fizeram o mesmo. Os grandes G1 e UOL destacaram a notícia bem abaixo. Preferiram colocar na manchete o futebol estadual. Vai ver algum internauta corintiano, palmeirense, vascaíno ou flamenguista roxo ainda não sabia o resultado dos jogos de seus times...

Imprensa não é a vanguarda da sociedade

Dizem que fazer jornalismo numa mídia como internet requer uma práxis diferenciada do impresso. Isso faz-me lembrar de um fato ocorrido há alguns anos, quando um submarino russo afundou nas águas geladas do Mar do Norte. Durante cerca de duas semanas várias tentativas de resgate foram feitas para tentar salvar os tripulantes, que, supostamente, poderiam ainda estar vivos. Desde o primeiro dia que a notícia foi colocada como destaque do A Tarde Online esteve sempre entre as mais clicadas pelos internautas. Não deve ter sido diferente nos sites de informação pelo mundo afora. A web alarga horizontes e uma notícia distante, mas cheia de drama humano, às vezes é mais importante que um fato que aconteceu em nossa porta. Muitos dirão que o leitor online, ao contrário do impresso, busca coisas inusitadas na web. Pode até ser, mas não creio totalmente nisso. Independente da mídia, as pessoas querem mesmo são relatos humanos, textos que falem de pessoas reais, que mesmo no perigo desafiam o inevitável. E o jornalista precisa ir atrás dessa boiada. Numa entrevista ao Estadão, em 2006, o jornalista Zuenir Ventura é categórico: "Não se pode nem ficar muito à frente nem muito atrás da sociedade. A imprensa não é a vanguarda da sociedade. Não pode disparar na frente, sob pena de provocar um curto-circuito".