quarta-feira, 5 de março de 2008

Cadê o olho de repórter a perscrutar o ambiente?

Linda tem apenas 16 anos e é uma menina de classe média que gosta de baladas na noite paulistana da Mooca e ouve Amy Winehouse e Arctic Monkeys no Ipod. Seu nome verdadeiro não é Linda e sua vida tem uma particularidade. Adotada por Sílvia Ramos, 65 anos, redescobriu a mãe biológica, Sônia Santos, 62, e passou a viver com ela. Tem agora duas mães. Mas seu mundo adolescente desmoronou ontem, quando o destino lhe pregou uma peça num daqueles típicos edifícios de pastilhas azuis da Zona Leste. Linda atropelou e matou uma vizinha.

Tudo começou quando sua mãe adotiva, depressiva, passou mal. Linda foi socorrê-la. Chamou o Samu e ficou aguardando. Enquanto esperava, o porteiro José da Silva interfonou e pediu que alguém retirasse o carro da garagem para a realização de uma obra. O veículo, um Celta 2001 cor de sangue, estava lá como um desafio e não havia mais ninguém em casa. O Samu não chegava e Linda pensou que poderia ajudar. Desceu, sentou, segurou o volante com firmeza. Viu Hachiki Kabagawa, de 70 anos, e buzinou. Em seguida, acreditando que ela tinha saído, engatou a marcha à ré e atropelou a senhora.

Ao perceber o acidente, a adolescente saiu do carro. Nesse momento chegou a ambulância. Os paramédicos foram rápidos. Levaram a vítima ao Hospital do Tatuapé. Mas Hachiki não resistiu e morreu às 12 horas e 14 minutos, escreveram os médicos no atestado de óbito. A mãe adotiva de Linda foi socorrida pelo Samu em seguida e passa bem. Quem não está legal é a menina, que entrou em depressão. Foi entregue à mãe biológica, que se comprometeu a apresentar a filha ao Juizado da Infância e Juventude. Como ela é menor de idade, Sônia pode responder a processo por homicídio culposo, que acontece quando não se tem a intenção.

*Esta notícia, reescrita pelo autor do post, foi distribuída ontem (4.3.2008) pelas agências de notícias e editada com omissões. Dados como o nome do porteiro, nomes e idades das mães, características do lugar, hora da morte da vítima e preferências pessoais da adolescente não aparecem no texto. A reportagem publicada nos sites abaixo e muitos outros, impessoal durante todo o tempo, omite informações que poderiam compor um quadro mais real dessa tragédia urbana. Não há o olho de repórter a perscrutar o ambiente, não há detalhes das pessoas e do lugar onde vivem. Para piorar, cada veículo conta a notícia de uma maneira diferente. O texto acima é uma exercício, uma tentativa de contar uma história humana.

Para ler o original:
Folha
G1
Estadão

Um comentário:

Anônimo disse...

A menor estava com seu Celta parado. Viu Haticho, uma idosa de 70 anos. Buzinou ostensivamente para ela sair da frente, pois o Celta queria a preferência a uma aposentada que ia pela calçada. A senhora não entendeu o sinal, o que corriqueiramente acontece com idosos, principalmente estrangeiros. A garota engatou a primeira, com raiva, desconsiderando o gesto de Hachiko, que provavelmente entendeu que a menina lhe dera passagem, um gesto de gentileza. A garota, com raiva, passou por cima da senhora. Calçada, asfalto, calçada. Portão. Hachiko foi arrastada. Portão derrubado. Hatiko, cabelo misturado a sangue e ossos, estava quase desmaiada. Só teve tempo de ouvir a jovem descer do carro, esquecendo do que a motivara a sair com o carro, dizendo "A senhora é louca? Você não ouviu a buzina?!Por que a senhora não saiu da frente?!!". Gostou da historinha humana??? É melhor ou pior que a sua???? Ai amiga, beijus, como eu gosto de um exercizinho de jornalismo. A vida é um conto de fadas, cada vida nossa é um pequeno universo, pena que nossos pais não vejam isso. Um dia, quem sabe, a gente corte os pulsos. Juntos? Ou a três?